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A REVOLUÇÃO ALEMÃ
Uma notícia bombástica: o Tribunal Constitucional Alemão, sediado em Karlsruhe, remeteu para o Tribunal de Justiça da União Europeia a decisão sobre a legalidade das Transacções Monetárias Definitivas (ou Outright Monetary Transactions, OMT), o programa de compra ilimitada de obrigações por parte do Banco Central Europeu, anunciado em 2012 por Mário Draghi, que teve o mérito de suster a então aparentemente imparável crise da zona euro. O Tribunal Alemão expressou ainda a opinião de que o Banco Central Europeu excedeu as suas competências.
Trata-se de um facto muito, muito importante.
No dia 31 de Janeiro referi-me aqui a este assunto. Escrevi então que a decisão deveria ter lugar algures em Abril. Enganei-me redondamente. Mas o essencial é que este desfecho representa em si mesmo uma verdadeira revolução. Por uma série de razões:
Primeiro, porque reconhece, mesmo que implicitamente, o Tribunal de Justiça Europeu como uma instância judiciária superior nestas matérias, coisa que até agora nunca tinha feito. Pelo contrário, desde pelo menos o acórdão Solange, de 1974, que o Tribunal Alemão considerou o primado do direito da União Europeia condicionado à lei fundamental alemã, por si tutelada. Repetiu esse entendimento em 1986, depois na célebre decisão de 1993 (“o Tribunal Constitucional Federal pode apreciar se actos jurídicos das instituições e órgãos europeus respeitam os limites dos poderes soberanos que lhes são conferidos ou se os extravasam”) e finalmente em 2009, a propósito do Tratado de Lisboa.
O segundo motivo para olhar com muita atenção para esta decisão respeita à matéria em si. O Tribunal de Karslruhe afirma que o Banco Central Europeu foi além daquilo que os Tratados lhe permitem, mas entrega a decisão final às instituições europeias (isto é, ao Tribunal Europeu). É como se o Tribunal Constitucional Alemão reconhecesse neste assunto um valor superior à própria irregularidade em causa, o qual só num plano distinto do nacional – um plano, por consequência, “superior” – poderá ser apreciado. Que valor é esse? Necessariamente, o facto da própria criação dos OMT ser indispensável para assegurar a salvaguarda da zona euro e da própria União, avaliação que apenas às instituições por elas responsáveis pode caber.
O terceiro e último ponto que gostaria de salientar neste breve comentário respeita à verdadeira “pedrada no charco”, muito contra-corrente, que esta decisão representa. Quando quase tudo aponta uma tendência de nacionalização das políticas europeias, quando no horizonte próximo se prefigura um crescimento desmesurado dos partidos e políticos que se opõem à integração europeia, o Tribunal de Karslruhe dá o exemplo e afirma como quem grita:
A Europa é um bem essencial. A sua importância para os europeus não pode ser dissociada das discussões jurídicas ou constitucionais sobre limites de competência. A avaliação desse equilíbrio só pode ser feita num plano supranacional, não no nacional.
Ainda é cedo para saber se este não acabará por ser apenas um episódio sem relevância no desenrolar do drama europeu. Mas de onde me situo aqui e agora, vejo claramente vista uma revolução sem precedentes, muito significativa para o futuro da União Europeia e dos europeus.
Estejamos pois atentos.
Comentário do dia
Pode o Tribunal Constitucional alemão reacender a crise do euro?
Em 2012, o anúncio pelo Presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi de que o banco compraria as obrigações necessárias para ajudar países em dificuldades, susteve quase por si só a crise da zona euro. Os mercados acalmaram e, desde então, não mais a união monetária e o euro voltaram a viver a tremenda instabilidade que ameaçou e fez tremer o euro e a própria construção europeia.
As transacções então anunciadas – e que não se concretizaram, pelo menos até hoje – são conhecidas como Transacções Monetárias Definitivas, ou Outright Monetary Transactions.
Ora sabe-se que o Tribunal Constitucional alemão, sediado em Karlsruhe, está a examinar a legalidade dessas compras. Uma decisão deve ser conhecida na primavera (algures em Abril).
Para contextualizar o assunto, convém recordar que o Tratado proíbe ao BCE o financiamento directo de países, isto é, a compra de obrigações de dívida emitidas governos. Tem-se entendido – e o Banco agido nessa conformidade – que só a compra directa, no mercado primário, está em causa. A compra de obrigações da dívida no mercado secundário, isto é, a investidores e não a Estados, não foi até agora, verdadeiramente posta em causa.
Que decisão tomará o Tribunal Constitucional alemão? E que consequências dela poderão advir? É quase certo, na esteira de uma doutrina firme adoptada pela instituição, que será reafirmada a soberania orçamental alemã, estabelecendo-se os limites da acção europeia.
Como quer que seja, esse será mais um momento marcante – podendo ser decisivo – da construção da união monetária. Para além da questão da compra dos títulos de dívida soberana, outros aspectos da actual reforma do sistema – supervisão bancária, resolução de bancos (no âmbito da união bancária) – poderão estar também em causa.
Uma decisão radical – que por exemplo equipare a compra no mercado secundário a ajuda directa aos países – poderá despoletar uma crise sem precedentes na zona euro. O euro estará de novo em causa e a comunicação social europeia voltará a falar com insistência do fim do euro.
É caso para dizer que os Tribunais Constitucionais estão “no olho do furacão”.
Há vida na União fora da zona euro?
… ou será a zona euro uma ameaça à vida da União?
Este é um debate em curso. Eis em resumo de como o ministro polaco dos negócios estrangeiros, Radek Sikorski, explicou a posição do seu país em relação à zona euro numa recente entrevista dada a jornalistas em Bruxelas:
Na próxima década, a verdadeira união europeia será dentro da zona euro. E a Polónia quer fazer parte dela. Devemos aderir, porque é o que faz sentido politicamente. A importância da adesão à moeda única terá de ser explicada aos polacos, tendo também em conta que o apoio a essa ideia caiu de 80 para 30 por cento em cinco anos. Poderá levar até seis anos, pois a eurozona ainda não foi “reparada” (fixed). Uma união monetária ideal teria países a viver de acordo com os seus meios, com economias competitivas e taxas de juro baixas. Mas a Polónia não pode nem deve ser discriminada por ainda não fazer parte do grupo de 18, pois a razão da sua ausência deve-se sobretudo à quebra do pacto de estabilidade e crescimento e à má organização e gestão da zona euro.
Esta é uma visão construtiva e positiva sobre a União Económica e Monetária da parte de um responsável de um país que a não integra. Três ideias fundamentais:
A união monetária foi criada sem que as condições mínimas de êxito estivessem criadas; todos os países, in ou out, devem ser tratados em pé de igualdade; o coração da União Europeia bate dentro da zona euro.
E como se referiu Sikorski ao elefante na sala, isto é, a posição inglesa (que todos aliás vêm muito bem e cada vez menos disfarçam)? Pois que David Cameron tem um bom caso para apresentar os britânicos: o sim à União. Se isso não acontecer, a Polónia lamentá-lo-á, pois considera que a Europa precisa do Reino Unido. E o contrário também é verdade, permito-me acrescentar.
Em defesa do euro (1)
Um debate viciado
A recente publicação de dois livros sobre o euro – “euro forte euro fraco” de Vítor Bento e “Porque devemos sair do euro”, da autoria de João Ferreira do Amaral – colocou na ordem do dia (com interrupções para tratar da demissão de Miguel Relvas, dos jogos de futebol, do regresso de Sócrates, do Tribunal Constitucional, dos escândalos do dia) um novo debate: será a saída da zona monetária única a saída para a crise?
É uma discussão oportuna e importante. Mas é um debate viciado: neste momento, e particularmente se apresentadas por pessoas credíveis e respeitadas, são de sucesso garantido quaisquer aparentes soluções de curto prazo (porque é assim que são entendidas) para a excessiva austeridade que afecta portugueses e outros povos europeus.
A culpa não é, claro, daqueles autores, nem sequer de quem, no afã louvável (e competente) de propor caminhos para superar as actuais e desesperantes condições económicas lança o debate; nem sequer é criticável quem defenda ser a saída do euro a melhor solução. A culpa é de quem, em Portugal como alhures, tendo particulares responsabilidades na governação e condução da vida pública, engana os cidadãos, por acção ou omissão. Importa dizê-lo, com todas as letras e aos gritos.
A União Europeia – e em particular a zona euro – são realidades demasiado complexas para dependerem de caprichos de ocasião ou de demagogias eleitoralistas. O que demorou 63 anos a construir pode ser desmantelado em poucos meses? Pode, claro. E o que é que isso interessa? A resposta é muito simples: nada.
Absolutamente nada. A não ser…
… a não ser que o futuro europeu dependa da União dos seus povos e Estados, pequenos de mais (sim, mesmo a Alemanha) e ricos de mais (infelizmente nem todos)- é que a União Europeia tem 25% do PIB mundial (um quarto da riqueza produzida no Mundo) com uma população de cerca de 7% (e em perda)…
… a não ser que da União dependa a paz na Europa, paz essa assegurada entre os seus países desde 1945, o mais longo período sem guerras, civis ou outras, até onde a memória dos homens alcança – e talvez não seja preciso recordar como, fora do chapéu de chuva protector da União mas mesmo nas suas margens, a guerra tem sido mercadoria frequente, como bem o ilustram os Balcãs…
… a não ser que um mercado interno não possa subsistir sem união monetária e por isso a União precisar da moeda única e não por qualquer outra razão, seja ela um capricho de elites ociosas seja um imaginoso dikat germânico – e para quem julgue que havia verdadeiro mercado interno (livre circulação dos factores, etc.) antes da união monetária, aconselho o estudo da génese do Acto Único em 1986 e, vista da óptica inversa, aconselho uma séria reflexão sobre a razão pela qual a CEE tanto porfiou na busca de uma solução para a cacofonia cambial (projecto de UEM em 70, serpente no túnel em 71, SME em 79, CIG para a união monetária em 88)…
… a não ser que, em consequência, o fim da moeda única represente o toque de finados pelo mercado interno e, por essa via, implique a sem razão de uma União desprovida de conteúdo – e àqueles a quem o desmantelar dos status quo sempre parece impossível bastará recordar o que aconteceu no século XX a tantos edifícios insubmersíveis (a União Soviética, a Sociedade das Nações, dezenas de ditaduras “eternas”)…
Nos últimos tempos muitos têm sido aqueles que propõem a discussão sobre a saída da zona euro por parte de Portugal. O livro de João Ferreira do Amaral é sem dúvida o modelo mais acabado e bem estruturado da argumentação sobre essa necessidade (outros já falam em inevitabilidade); não me canso de louvar a coerência do Professor Ferreira do Amaral que, desde sempre, tem mantido uma posição próxima da actual, enquanto tantos ilustres (tantos!) economistas defendiam que a disciplina (monetária, cambial, orçamental) consequente à criação da zona levaria inevitavelmente a uma convergência económica. Mas não posso concordar com uma visão que nos quer fazer andar para trás como se nada tivesse mudado; como se um passado que, entre nós, oscilou sempre entre a indigência e a ditadura, fosse solução para o que quer que fosse; e como se a desvalorização cambial pudesse hoje ter o mesmo efeito que em 1985, quando toda a Europa crescia e o ponto de partida (português) era muito mais baixo (e já nem falo da dívida, do wishful thinking relativamente à boa vontade dos outros povos europeus num cenário desse tipo, do risco da inflação, etc).
Voltarei a este assunto, ponto por ponto. Mas aqui fica uma espécie de resumo, simplificado e (muito) demagógico, do que julgo estar em jogo nesta discussão:
Uma opção clara e simples entre sermos os menos pobres dos pobres ou os menos ricos dos ricos… entre aqueles a tendência será sempre para pior; nestes, com o tempo, o equilíbrio e o crescimento regressarão. Connosco ou sem nós.