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Previsões para 2014, o ano de todas as decisões na União Europeia (2)
(2) O fim do euro ou o princípio de algo novo?
A crise do euro, que afectou sobretudo as economias periféricas, todas do sul europeu com excepção da Irlanda, foi também tomada por muitos como o princípio do fim do euro.
As razões para essa antecipação eram compreensíveis, sendo-o menos, contudo, o alarmismo que foi acompanhando cada acto da tragédia que se ia desenrolando ante os nossos olhos – as dezenas de Cimeiras “da última oportunidade”, as ameaças de ruptura iminente em países como a Grécia ou Portugal, à beira da bancarrota, o aumento constante do desemprego, a enxurrada imigratória no nosso país, o nível das taxas de juro associadas às dívidas soberanas, a profundidade das recessões.
Por razões de outra ordem, no dia 17 de Janeiro de 2013 fiz uma pesquisa no google sobre a expressão “end of the euro”, que me devolveu os seguintes números: cerca de 119 000 000 de resultados, em 0,32 segundos. No dia 9 de Janeiro deste ano, a mesma expressão já contabilizava 646 000 000 resultados, em apenas 0,28 segundos.
Todos os que acompanham a comunicação social e os comentários nela publicados, sabem que essa ideia – a de que o euro está por um fio – há muito se instalou e faz doutrina. Por outro lado, prestigiados economistas (até prémios Nobel), cientistas políticos e académicos insistem na impossibilidade de uma moeda única num contexto de união monetária entre países tão díspares, em termos de desenvolvimento, ciclo económico e características sociais e políticas, como os que constituem a União Europeia.
Resumindo: crises económicas como a que abala a Europa e o Mundo desde 2008 obrigariam a respostas distintas por parte dos diferentes países europeus ou, pelo menos, dos blocos mais ou menos homogéneos que a constituem, desde logo na intersecção entre Norte rico e Sul pobre, Norte credor e Sul devedor, Norte austero e Sul esbanjador, para simplificar, caricaturando; não sendo isso possível, por força da União que nos obriga (quanto às obrigações em concreto falarei noutro dia), os choques assimétricos consequentes levariam necessariamente, como levaram, a crises impossíveis de gerir sem o recurso, nos países mais afectados, aos mecanismos tradicionais da emissão de moeda, investimentos públicos, desvalorização cambial.
Passaram cinco anos. Neste início de 2014, a questão é pois de saber se o euro está
a beira do fim.
A MINHA PREVISÃO
Sou um optimista. Isso significa que acredito que cada cenário negro tem sempre um reverso positivo; e que todas as previsões definitivas são previsões até se tornarem definitivas.
Todos sabíamos de há muito que a união monetária não fora construída sobre alicerces fortes. Porque é que sabíamos? E porque é que foi assim?
Sabíamos porque as condições para a constituição de uma zona monetária exequível não existiam (atenção, não me refiro a uma zona óptima). Aliás, a anterior tentativa de criação de uma união monetária – em 1970 – já indicava claramente quais seriam essas condições e nada disso foi respeitado em Maastricht, no Tratado entrado em vigor em 1993 em que a UEM foi estabelecida.
Foi assim por razões políticas mundiais (a queda do Muro), europeias (unificação alemã, conveniência francesa, fraqueza dos restantes) e por razões económicas (crise do sistema monetário europeu). Mas isso interessa pouco. O que conta, na minha opinião, é que desde o início da crise os europeus têm mantido uma notável perseverança na defesa da sua moeda. O que conta, também, é que o euro é hoje a moeda de 18 países, mais seis do que em finais de 2007, antes do despoletar da crise. O que conta é que, desde 2008, já foram tomadas mais medidas para reforçar a coesão da zona euro do que desde a sua criação; são medidas, aliás e sobretudo, que ainda há alguns anos seriam consideradas impensáveis, inimagináveis e outros “áveis” (como “miseráveis”) que os pessimistas (aqueles que acreditam que as previsões são premonições e, pari passum, inevitabilidades auto-realizadas) gostam de utilizar.
Falta fazer muita coisa, como por exemplo uma união bancária efectiva e sustentável e as bases de uma real solidariedade (financeira) na Europa; mas, como se sabe, o caminho faz-se caminhando – e está-se a caminhar.
O britânico Times, que não é propriamente suspeito de eurofilia, escrevia a 20 de Dezembro passado:
“The eurosceptics who predicted a Greek exit from the Eurozone and the unravelling of currency union were confounded. They misjudged the will of member states and electorates to remain in the euro. Even a majority of Greek voters, amid bitter recession, remain supportive [of the euro]. The doomsayers also misjudged the determination of policymakers to stand by the euro. The ECB’s willingness to buy the bonds of highly indebted Eurozone economies stemmed financial market contagion. Growth remains weak but the indebted Eurozone economies are emerging stronger.” Citado em euro/topics, o texto tem como epígrafe Europe stands by the euro; permitam-me que resuma traduzindo-a livremente: a Europa cerra fileiras em torno do euro.
A minha previsão: não será em 2014 que a Europa verá o fim do euro. Nem nesta década. Nem…
Conselho Europeu começa hoje
Para os mais distraídos, recordo que hoje começa o Conselho Europeu, na sua primeira reunião durante a Presidência lituana da União Europeia. Na agenda estão a economia digital, inovação e serviços, a competitividade, crescimento e emprego e a União Económica e Monetária.
Os progressos na integração em matéria da zona euro estão naturalmente em cima da mesa, com uma tripla dimensão: a união bancária, o reforço da coordenação das políticas económicas e a dimensão social.
A este propósito, aproveito para comentar o ruído – e as opiniões dos comentadores que criticam tudo e o seu contrário – a propósito das recentes declarações da chanceler Merkel sobre a importância de concentrar poderes em Bruxelas em troca de maior solidariedade e de soluções integradas para o bom funcionamento da zona euro: é que uma coisa, por definição, não vai sem a outra! Quem considera que a união monetária não funciona porque não foi dotada das regras e mecanismos adequados tem de considerar em consequência que para resolver essas (indiscutíveis) deficiências é indispensável que haja mais poderes postos em comum. O que não faz sentido é criticar as declarações de Merkel sem perceber (ou ignorando, o que será pior) que é exactamente isso que a senhora está a dizer. Eu sei que ela é alemã, que é a chanceler do país economicamente mais poderoso da Europa, que muitos lhe atribuem as culpas de tudo e de mais alguma coisa, mas convém não exagerar: quando Merkel tem razão e abunda no sentido que muitos dos comentadores recomendam parece ilógico que esses mesmos comentadores a critiquem por isso…
Ainda na agenda da Cimeira, a avaliação das questões relacionadas com o (des)emprego jovem e o que deverá ser feito para obviar a tão grande problema, o financiamento da economia em particular no que respeita às PMEs e a adequação da regulação.
No que respeita à economia digital, os chefes de Estado e de governo dos 28 vão tratar da promoção de novos investimentos, de desenvolver um mercado único digital que seja amigo do consumidor e dos negócios e da melhoria das competências nesta matéria. Convém recordar que as compras on-line transnacionais e nomeadamente intra-europeias merecem cada vez mais a confiança dos consumidores (refere um estudo da Comissão de 2011 que mais de 94% das encomendas chegam a bom porto, ao contrário do que acontecia antes).
E já agora (desculpem todos aqueles que dispensariam tal pormenorização), permito-me uma breve explicação sobre o … Conselho Europeu.
Trata-se da instituição europeia que define as orientações gerais e as prioridades políticas da União. Não é um legislador, mas exerce uma grande influência sobre, pelo menos, a instituição Conselho de Ministros, co-legislador com o Parlamento Europeu.
Presidido por Herman Van Rompuy, o Conselho Europeu é composto pelos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados‑Membros, bem como pelo seu Presidente e pelo Presidente da Comissão. Reúne-se duas vezes por semestre, podendo também fazê-lo em sessões extraodinárias.
Em suma, trata-se de um instituição eminentemente intergovernamental, com grande importância no modelo de governação da União Europeia.
EM DEFESA DO EURO
Entre futuro e passado (2)
Vivemos num tempo entre tempos. A olhar para um passado que acabou, mas saudosos dele, enquanto esperamos o tempo que não chega, mesmo que nos chegue todos os dias.
Vem isto a propósito da União Europeia. Enquanto se anunciam diariamente debates (como o de hoje na RTP1) sobre a saída do euro, poucos se detêm a olhar para a floresta que é o Mundo e de que a União ocupa mais de um quarto se a referência for o PIB, mas apenas 7%, se for a percentagem de população. 7%! … e a minguar, dada a tendência demográfica.
Numa reflexão racional, ordeira e informada, a pertinência desta integração de países, economias e modos de vida não mereceria discussão. Afinal, ela permitiu aos povos europeus evitar a chaga da guerra que sempre os assolou, afinal, ela contribuiu para a convergência das economias (é um facto), afinal, ela levou um selo de liberdade a povos e países que, nalguns casos, nunca tinham tido uma experiência democrática duradoura.
Mas não vivemos tempos para reflexões racionais. A crise brutal que assola a Europa foi também causada por uma construção irreflectida e apressada de uma zona monetária entre economias demasiado díspares? Então, o melhor é acabar com a zona euro. Como se isso não fosse mais do que replicar o que tivemos – o passado que acabou mas para o qual continuamos a olhar -, com o seu rol de más soluções e dramáticas experiências.
Pôr o acento tónico na saída como se não houvesse soluções melhores é ignorar que há soluções melhores ou, pelo menos, significa remetê-las para um estatuto inferior. Antes de condenar a zona euro, talvez fosse melhor tentar perceber o que já foi feito e, sobretudo, o que falta fazer para a salvar. E de que forma essa salvação pode abrir as portas do futuro, o tal a que aspiramos e que parece nunca chegar apesar dele nos chegar todos os dias.
Explico: a Europa está na fase final da construção de uma união muito mais estreita entre os seus povos, em particular no que diz respeito ao euro, a qual resolverá muitos dos problemas que tornaram a moeda única um factor de instabilidade. Falta completar a união bancária, falta fazer da união orçamental um instrumento credível e visível (e neste caso um é condição do outro), falta utilizar diversamente os fundos estruturais tornando o CREN um verdadeiro fautor de crescimento.
Claro que a responsabilidade pela situação da zona euro é de todos e ninguém pode considerar-se excluído dela. Por uma vez (mas só por uma) concordo com o senhor Soros quando diz à Alemanha para decidir entre sair (ela mesma) do euro ou então aceitar os chamados “eurobonds” (emissão de dívida nacional com garantia europeia). Mas não é só isso: é também deixar de pôr obstáculos à conclusão da união bancária (e aos sistemas comuns de garantia de depósitos e de resolução de crises), é mudar o discurso da culpa e castigo para um discurso de solidariedade e responsabilidade. E com isso escolher entre o caminho do regresso ao passado ou o futuro que só espera que o reconheçamos. Sei que os alemães, mais do que os outros povos, têm consciência da alternativa que se coloca a todos os europeus.
Ainda há tempo para impedir o continente europeu de voltar ao antigo ciclo da divisão. Esse que, no passado, deu os frutos que sabemos. Mas temos de deixar de pôr o acento tónico nas soluções que, inevitavelmente, nos conduziriam a esse passado.