EURATÓRIA

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Comentário do dia

Pode o Tribunal Constitucional alemão reacender a crise do euro?

Em 2012, o anúncio pelo Presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi de que o banco compraria as obrigações necessárias para ajudar países em dificuldades, susteve quase por si só a crise da zona euro. Os mercados acalmaram e, desde então, não mais a união monetária e o euro voltaram a viver a tremenda instabilidade que ameaçou e fez tremer o euro e a própria construção europeia.

As transacções então anunciadas – e que não se concretizaram, pelo menos até hoje – são conhecidas como Transacções Monetárias Definitivas, ou Outright Monetary Transactions.   

Ora sabe-se que o Tribunal Constitucional alemão, sediado em Karlsruhe, está a examinar a legalidade dessas compras. Uma decisão deve ser conhecida na primavera (algures em Abril).

Para contextualizar o assunto, convém recordar que o Tratado proíbe ao BCE o financiamento directo de países, isto é, a compra de obrigações de dívida emitidas governos. Tem-se entendido – e o Banco agido nessa conformidade – que só a compra directa, no mercado primário, está em causa. A compra de obrigações da dívida no mercado secundário, isto é, a investidores e não a Estados, não foi até agora, verdadeiramente posta em causa.

Que decisão tomará o Tribunal Constitucional alemão? E que consequências dela poderão advir? É quase certo, na esteira de uma doutrina firme adoptada pela instituição, que será reafirmada a soberania orçamental alemã, estabelecendo-se os limites da acção europeia.

Como quer que seja, esse será mais um momento marcante – podendo ser decisivo – da construção da união monetária. Para além da questão da compra dos títulos de dívida soberana, outros aspectos da actual reforma do sistema – supervisão bancária, resolução de bancos (no âmbito da união bancária) – poderão estar também em causa.

Uma decisão radical – que por exemplo equipare a compra no mercado secundário a ajuda directa aos países – poderá despoletar uma crise sem precedentes na zona euro. O euro estará de novo em causa e a comunicação social europeia voltará a falar com insistência do fim do euro.

É caso para dizer que os Tribunais Constitucionais estão “no olho do furacão”.

Previsões para 2014, o ano de todas as decisões na União Europeia (2)

(2) O fim do euro ou o princípio de algo novo?

A crise do euro, que afectou sobretudo as economias periféricas, todas do sul europeu com excepção da Irlanda, foi também tomada por muitos como o princípio do fim do euro.

As razões para essa antecipação eram compreensíveis, sendo-o menos, contudo, o alarmismo que foi acompanhando cada acto da tragédia que se ia desenrolando ante os nossos olhos – as dezenas de Cimeiras “da última oportunidade”, as ameaças de ruptura iminente em países como a Grécia ou Portugal, à beira da bancarrota, o aumento constante do desemprego, a enxurrada imigratória no nosso país, o nível das taxas de juro associadas às dívidas soberanas, a profundidade das recessões.

Por razões de outra ordem, no dia 17 de Janeiro de 2013 fiz uma pesquisa no google sobre a expressão “end of the euro”, que me devolveu os seguintes números: cerca de 119 000 000 de resultados, em 0,32 segundos. No dia 9 de Janeiro deste ano, a mesma expressão já contabilizava 646 000 000 resultados, em apenas 0,28 segundos.

Todos os que acompanham a comunicação social e os comentários nela publicados, sabem que essa ideia – a de que o euro está por um fio – há muito se instalou e faz doutrina. Por outro lado, prestigiados economistas (até prémios Nobel), cientistas políticos e académicos insistem na impossibilidade de uma moeda única num contexto de união monetária entre países tão díspares, em termos de desenvolvimento, ciclo económico e características sociais e políticas, como os que constituem a União Europeia.

Resumindo: crises económicas como a que abala a Europa e o Mundo desde 2008 obrigariam a respostas distintas por parte dos diferentes países europeus ou, pelo menos, dos blocos mais ou menos homogéneos que a constituem, desde logo na intersecção entre Norte rico e Sul pobre, Norte credor e Sul devedor, Norte austero e Sul esbanjador, para simplificar, caricaturando; não sendo isso possível, por força da União que nos obriga (quanto às obrigações em concreto falarei noutro dia), os choques assimétricos consequentes levariam necessariamente, como levaram, a crises impossíveis de gerir sem o recurso, nos países mais afectados, aos mecanismos tradicionais da emissão de moeda, investimentos públicos, desvalorização cambial.

Passaram cinco anos. Neste início de 2014, a questão é pois de saber se o euro está
a beira do fim.

 A MINHA PREVISÃO

Sou um optimista. Isso significa que acredito que cada cenário negro tem sempre um reverso positivo; e que todas as previsões definitivas são previsões até se tornarem definitivas.

Todos sabíamos de há muito que a união monetária não fora construída sobre alicerces fortes. Porque é que sabíamos? E porque é que foi assim?

Sabíamos porque as condições para a constituição de uma zona monetária exequível não existiam (atenção, não me refiro a uma zona óptima). Aliás, a anterior tentativa de criação de uma união monetária – em 1970 – já indicava claramente quais seriam essas condições e nada disso foi respeitado em Maastricht, no Tratado entrado em vigor em 1993 em que a UEM foi estabelecida.

Foi assim por razões políticas mundiais (a queda do Muro), europeias (unificação alemã, conveniência francesa, fraqueza dos restantes) e por razões económicas (crise do sistema monetário europeu). Mas isso interessa pouco. O que conta, na minha opinião, é que desde o início da crise os europeus têm mantido uma notável perseverança na defesa da sua moeda. O que conta, também, é que o euro é hoje a moeda de 18 países, mais seis do que em finais de 2007, antes do despoletar da crise. O que conta é que, desde 2008, já foram tomadas mais medidas para reforçar a coesão da zona euro do que desde a sua criação; são medidas, aliás e sobretudo, que ainda há alguns anos seriam consideradas impensáveis, inimagináveis e outros “áveis” (como “miseráveis”) que os pessimistas (aqueles que acreditam que as previsões são premonições e, pari passum, inevitabilidades auto-realizadas) gostam de utilizar.

Falta fazer muita coisa, como por exemplo uma união bancária efectiva e sustentável e as bases de uma real solidariedade (financeira) na Europa; mas, como se sabe, o caminho faz-se caminhando – e está-se a caminhar.

O britânico Times, que não é propriamente suspeito de eurofilia, escrevia a 20 de Dezembro passado:

“The eurosceptics who predicted a Greek exit from the Eurozone and the unravelling of currency union were confounded. They misjudged the will of member states and electorates to remain in the euro. Even a majority of Greek voters, amid bitter recession, remain supportive [of the euro]. The doomsayers also misjudged the determination of policymakers to stand by the euro. The ECB’s willingness to buy the bonds of highly indebted Eurozone economies stemmed financial market contagion. Growth remains weak but the indebted Eurozone economies are emerging stronger.” Citado em euro/topics, o texto tem como epígrafe Europe stands by the euro; permitam-me que resuma traduzindo-a livremente: a Europa cerra fileiras em torno do euro.

A minha previsão: não será em 2014 que a Europa verá o fim do euro. Nem nesta década. Nem…

 

 

 

 

Conselho Europeu começa hoje

Para os mais distraídos, recordo que hoje começa o Conselho Europeu, na sua primeira reunião durante a Presidência lituana da União Europeia. Na agenda estão a economia digital, inovação e serviços, a competitividade, crescimento e emprego e a União Económica e Monetária.

 Os progressos na integração em matéria da zona euro estão naturalmente em cima da mesa, com uma tripla dimensão: a união bancária, o reforço da coordenação das políticas económicas e a dimensão social.

 A este propósito, aproveito para comentar o ruído – e as opiniões dos comentadores que criticam tudo e o seu contrário – a propósito das recentes declarações da chanceler Merkel sobre a importância de concentrar poderes em Bruxelas em troca de maior solidariedade e de soluções integradas para o bom funcionamento da zona euro: é que uma coisa, por definição, não vai sem a outra! Quem considera que a união monetária não funciona porque não foi dotada das regras e mecanismos adequados tem de considerar em consequência que para resolver essas (indiscutíveis) deficiências é indispensável que haja mais poderes postos em comum. O que não faz sentido é criticar as declarações de Merkel sem perceber (ou ignorando, o que será pior) que é exactamente isso que a senhora está a dizer. Eu sei que ela é alemã, que é a chanceler do país economicamente mais poderoso da Europa, que muitos lhe atribuem as culpas de tudo e de mais alguma coisa, mas convém não exagerar:  quando Merkel tem razão e abunda no sentido que muitos dos comentadores recomendam parece ilógico que esses mesmos comentadores a critiquem por isso…  

Ainda na agenda da Cimeira, a avaliação das questões relacionadas com o (des)emprego jovem e o que deverá ser feito para obviar a tão grande problema, o financiamento da economia em particular no que respeita às PMEs e a adequação da regulação.

 No que respeita à economia digital, os chefes de Estado e de governo dos 28 vão tratar da promoção de novos investimentos, de desenvolver um mercado único digital que seja amigo do consumidor e dos negócios e da melhoria das competências nesta matéria. Convém recordar que as compras on-line transnacionais e nomeadamente intra-europeias merecem cada vez mais a confiança dos consumidores (refere um estudo da Comissão de 2011 que mais de 94% das encomendas chegam a bom porto, ao contrário do que acontecia antes).

 E já agora (desculpem todos aqueles que dispensariam tal pormenorização), permito-me uma breve explicação sobre o … Conselho Europeu.

Trata-se da instituição europeia que define as orientações gerais e as prioridades políticas da União. Não é um legislador, mas exerce uma grande influência sobre, pelo menos, a instituição Conselho de Ministros, co-legislador com o Parlamento Europeu.

Presidido por Herman Van Rompuy, o Conselho Europeu é composto pelos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados­‑Membros, bem como pelo seu Presidente e pelo Presidente da Comissão. Reúne-se duas vezes por semestre, podendo também fazê-lo em sessões extraodinárias.

Em suma, trata-se de um instituição eminentemente intergovernamental, com grande importância no modelo de governação da União Europeia.

A União nas nossas vidas (notícias da quinzena)

Nos dias que passam, os portugueses alheiam-se da Europa como se ela não fosse coisa sua. E contudo, é-o; muito do que se passa em Bruxelas, Estrasburgo ou noutro ponto do continente tem quase tanto a ver connosco –por vezes tem mais – do que muitas decisões tomadas no nosso país. Não se trata de retórica mas da realidade. Sem carácter exaustivo mas para ajudar a uma perspectiva abrangente do que está em causa, aqui deixo uma pequena lista de iniciativas, discussões e decisões tomadas nos últimos dias, com consequências relevantes para Portugal:

  • A crise política em curso (e, espera-se, em vias de conclusão), deixou claro: que o regresso do nosso país aos mercados depende da sua credibilidade no exterior; que essa credibilidade foi abalada mas não destruída (ainda que os sinais que acompanharam a crise dêem ideia das consequências devastadoras de uma instabilidade prolongada); e que está em preparação, provavelmente há algum tempo, um regresso do país aos mercados com apoio da União Europeia (não da troika). Será em princípio usado o Mecanismo Europeu de Estabilidade, garantindo a Portugal os financiamentos de que precisa sem onerar em excesso as contas públicas (isto é, sem que os juros a pagar ultrapassem o razoável). Mas para isso, disseram-no mais ou menos expressamente os líderes do eurogrupo, importa salvaguardar a credibilidade. Atenção: não será um (segundo) resgate.
  • O Parlamento Europeu aprovou novas regras sobre livre circulação no espaço sem fronteiras europeu (Schengen): prevê-se a possibilidade de reinstalação de controlos temporários nas fronteiras nacionais em situações excepcionais.
  • Aprovadas na generalidade as grandes linhas das perspectivas financeiras para a União 2014-20 e, em particular, para a agricultura. Portugal receberá 8,1 mil milhões de euros, dos quais 3,6 mil milhões destinados ao desenvolvimento rural (500 milhões isentos de co-financiamento). A aprovação formal pelo Parlamento Europeu do quadro financeiro plurianual só deverá ter lugar em Setembro.
  • Portugal votou no Comité para a Cadeia Alimentar e Saúde Animal da UE a favor da introdução de polifosfatos no bacalhau. França e Croácia, recém-chegada ao clube europeu, votaram contra. Os polifosfatos retêm a humidade, pelo que a tradicional secagem portuguesa será mais demorada. Portugal, contudo, obteve medidas excepcionais que permitem a comercialização do peixe no nosso país sem a junção daqueles químicos.
  • O Comissário Europeu da Concorrência, Joaquin Almunia, disse que Portugal poderá ter mais tempo para se explicar na investigação da Comissão sobre as ajudas públicas aos estaleiros de Viana do Castelo. Tais ajudas podem ser justificadas através de um projecto de reestruturação da empresa (que o governo ainda não apresentou). Se Portugal for condenado, será obrigado a devolver essas verbas (de 181 milhões de euros)…
  • Parlamento Europeu e Conselho Europeu aprovaram a adesão da Letónia ao euro, o que deverá acontecer no dia 1 de Janeiro de 2014; apesar da crise…
  • E a proposta da Comissão sobre o mecanismo de resolução de bancos em dificuldades será apresentada esta semana…

EM DEFESA DO EURO

Entre futuro e passado (2)

Vivemos num tempo entre tempos. A olhar para um passado que acabou, mas saudosos dele, enquanto esperamos o tempo que não chega, mesmo que nos chegue todos os dias.

Vem isto a propósito da União Europeia. Enquanto se anunciam diariamente debates (como o de hoje na RTP1) sobre a saída do euro, poucos se detêm a olhar para a floresta que é o Mundo e de que a União ocupa mais de um quarto se a referência for o PIB, mas apenas 7%, se for a percentagem de população. 7%! … e a minguar, dada a tendência demográfica.

Numa reflexão racional, ordeira e informada, a pertinência desta integração de países, economias e modos de vida não mereceria discussão. Afinal, ela permitiu aos povos europeus evitar a chaga da guerra que sempre os assolou, afinal, ela contribuiu para a convergência das economias (é um facto), afinal, ela levou um selo de liberdade a povos e países que, nalguns casos, nunca tinham tido uma experiência democrática duradoura.

Mas não vivemos tempos para reflexões racionais. A crise brutal que assola a Europa foi também causada por uma construção irreflectida e apressada de uma zona monetária entre economias demasiado díspares? Então, o melhor é acabar com a zona euro. Como se isso não fosse mais do que replicar o que tivemos – o passado que acabou mas para o qual continuamos a olhar -, com o seu rol de más soluções e dramáticas experiências.

Pôr o acento tónico na saída como se não houvesse soluções melhores é ignorar que há soluções melhores ou, pelo menos, significa remetê-las para um estatuto inferior. Antes de condenar a zona euro, talvez fosse melhor tentar perceber o que já foi feito e, sobretudo, o que falta fazer para a salvar. E de que forma essa salvação pode abrir as portas do futuro, o tal a que aspiramos e que parece nunca chegar apesar dele nos chegar todos os dias.

Explico: a Europa está na fase final da construção de uma união muito mais estreita entre os seus povos, em particular no que diz respeito ao euro, a qual resolverá muitos dos problemas que tornaram a moeda única um factor de instabilidade. Falta completar a união bancária, falta fazer da união orçamental um instrumento credível e visível (e neste caso um é condição do outro), falta utilizar diversamente os fundos estruturais tornando o CREN um verdadeiro fautor de crescimento.

Claro que a responsabilidade pela situação da zona euro é de todos e ninguém pode considerar-se excluído dela. Por uma vez (mas só por uma) concordo com o senhor Soros quando diz à Alemanha para decidir entre sair (ela mesma) do euro ou então aceitar os chamados “eurobonds” (emissão de dívida nacional com garantia europeia). Mas não é só isso: é também deixar de pôr obstáculos à conclusão da união bancária (e aos sistemas comuns de garantia de depósitos e de resolução de crises), é mudar o discurso da culpa e castigo para um discurso de solidariedade e responsabilidade. E com isso escolher entre o caminho do regresso ao passado ou o futuro que só espera que o reconheçamos. Sei que os alemães, mais do que os outros povos, têm consciência da alternativa que se coloca a todos os europeus.  

Ainda há tempo para impedir o continente europeu de voltar ao antigo ciclo da divisão. Esse que, no passado, deu os frutos que sabemos. Mas temos de deixar de pôr o acento tónico nas soluções que, inevitavelmente, nos conduziriam a esse passado.

Em defesa do euro (1)

Um debate viciado

 A recente publicação de dois livros sobre o euro – “euro forte euro fraco” de Vítor Bento e “Porque devemos sair do euro”, da autoria de João Ferreira do Amaral – colocou na ordem do dia (com interrupções para tratar da demissão de Miguel Relvas, dos jogos de futebol, do regresso de Sócrates, do Tribunal Constitucional, dos escândalos do dia) um novo debate: será a saída da zona monetária única a saída para a crise?

 É uma discussão oportuna e importante. Mas é um debate viciado: neste momento, e particularmente se apresentadas por pessoas credíveis e respeitadas, são de sucesso garantido quaisquer aparentes soluções de curto prazo (porque é assim que são entendidas) para a excessiva austeridade que afecta portugueses e outros povos europeus.

 A culpa não é, claro, daqueles autores, nem sequer de quem, no afã louvável (e competente) de propor caminhos para superar as actuais e desesperantes condições económicas lança o debate; nem sequer é criticável quem defenda ser a saída do euro a melhor solução. A culpa é de quem, em Portugal como alhures, tendo particulares responsabilidades na governação e condução da vida pública, engana os cidadãos, por acção ou omissão. Importa dizê-lo, com todas as letras e aos gritos.

 A União Europeia – e em particular a zona euro – são realidades demasiado complexas para dependerem de caprichos de ocasião ou de demagogias eleitoralistas. O que demorou 63 anos a construir pode ser desmantelado em poucos meses? Pode, claro. E o que é que isso interessa? A resposta é muito simples: nada.

 Absolutamente nada. A não ser…

 … a não ser que o futuro europeu dependa da União dos seus povos e Estados, pequenos de mais (sim, mesmo a Alemanha) e ricos de mais (infelizmente nem todos)- é que a União Europeia tem 25% do PIB mundial (um quarto da riqueza produzida no Mundo) com uma população de cerca de 7% (e em perda)…

 … a não ser que da União dependa a paz na Europa, paz essa assegurada entre os seus países desde 1945, o mais longo período sem guerras, civis ou outras, até onde a memória dos homens alcança – e talvez não seja preciso recordar como, fora do chapéu de chuva protector da União mas mesmo nas suas margens, a guerra tem sido mercadoria frequente, como bem o ilustram os Balcãs…

 … a não ser que um mercado interno não possa subsistir sem união monetária e por isso a União precisar da moeda única e não por qualquer outra razão, seja ela um capricho de elites ociosas seja um imaginoso dikat germânico – e para quem julgue que havia verdadeiro mercado interno (livre circulação dos factores, etc.) antes da união monetária, aconselho o estudo da génese do Acto Único em 1986 e, vista da óptica inversa, aconselho uma séria reflexão sobre a razão pela qual a CEE tanto porfiou na busca de uma solução para a cacofonia cambial (projecto de UEM em 70, serpente no túnel em 71, SME em 79, CIG para  a união monetária em 88)…

… a não ser que, em consequência, o fim da moeda única represente o toque de finados pelo mercado interno e, por essa via, implique a sem razão de uma União desprovida de conteúdo – e àqueles a quem o desmantelar dos status quo sempre parece impossível bastará recordar o que aconteceu no século XX a tantos edifícios insubmersíveis (a União Soviética, a Sociedade das Nações, dezenas de ditaduras “eternas”)…

 Nos últimos tempos muitos têm sido aqueles que propõem a discussão sobre a saída da zona euro por parte de Portugal. O livro de João Ferreira do Amaral é sem dúvida o modelo mais acabado e bem estruturado da argumentação sobre essa necessidade (outros já falam em inevitabilidade); não me canso de louvar a coerência do Professor Ferreira do Amaral que, desde sempre, tem mantido uma posição próxima da actual, enquanto tantos ilustres (tantos!) economistas defendiam que a disciplina (monetária, cambial, orçamental) consequente à criação da zona levaria inevitavelmente a uma convergência económica. Mas não posso concordar com uma visão que nos quer fazer andar para trás como se nada tivesse mudado; como se um passado que, entre nós, oscilou sempre entre a indigência e a ditadura, fosse solução para o que quer que fosse; e como se a desvalorização cambial pudesse hoje ter o mesmo efeito que em 1985, quando toda a Europa crescia e o ponto de partida (português) era muito mais baixo (e já nem falo da dívida, do wishful thinking relativamente à boa vontade dos outros povos europeus num cenário desse tipo, do risco da inflação, etc).

 Voltarei a este assunto, ponto por ponto. Mas aqui fica uma espécie de resumo, simplificado e (muito) demagógico, do que julgo estar em jogo nesta discussão:

 Uma opção clara e simples entre sermos os menos pobres dos pobres ou os menos ricos dos ricos… entre aqueles a tendência será sempre para pior; nestes, com o tempo, o equilíbrio e o crescimento regressarão. Connosco ou sem nós.

Um europeísta preocupado

 Por: Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista

Desde há muito – em concreto, desde que surgiu a EFTA e Portugal, surpreendentemente, foi dela membro fundador – que sou um europeísta convicto. Mas hoje sou também um europeísta desiludido.

Não estão em causa a excepcional qualidade, a ambição e a originalidade do projecto europeu, encarnado pela União Europeia e, antes, pela Comunidade Económica Europeia. O que me preocupa é que esse projecto interessa cada vez menos aos europeus.

Há mudanças na situação política mundial que explicam, em parte, o crescente desinteresse pela integração europeia. Acabou a guerra fria e com ela a ameaça soviética que cimentava a unidade dos europeus. A UE alargou-se a 27 países (em breve, serão ainda mais), o que, sendo em si algo positivo, dificultou naturalmente o aprofundamento da integração política.

O euro foi lançado, na esperança de que a integração monetária da maioria dos países da UE fosse complementada por avanços na integração política, o que não aconteceu. Entretanto, perdeu força o chamado “método comunitário” de decisão na UE (a Comissão propõe e o Conselho decide sobre essas propostas), reforçando-se o directório de um só país, a Alemanha.

O problema de fundo – o afastamento dos cidadãos em relação ao projecto europeu – é responsabilidade, sobretudo, dos dirigentes políticos da Europa. Em Junho de 1992 um referendo na Dinamarca rejeitou o Tratado de Maastricht, que criou a moeda única. Mais grave, em Setembro do mesmo ano esse Tratado passou por uma unha negra num referendo em França – o país que mais se empenhou na criação da moeda única, para se libertar do domínio do marco alemão.

Estes sinais de alerta foram ignorados pelos dirigentes europeus. Em 2005, dois países fundadores da integração europeia, de novo a França e agora também a Holanda, rejeitaram em referendos a impropriamente chamada “constituição europeia”. Depois, o Tratado de Lisboa, que mantinha 90% do conteúdo dessa “constituição”, foi apresentado como algo de totalmente diferente – para evitar referendos, nomeadamente no Reino Unido, onde o Tratado seria rejeitado. Ou seja, os cidadãos foram enganados pelos dirigentes europeus.

Assim, o eurocepticismo tem subido de forma alarmante. E não apenas entre os britânicos. O que coloca um problema insolúvel ao futuro do euro: muitas das medidas necessárias para garantir esse futuro implicam mais integração e, até, alterações no Tratado da UE. Ora não vejo como será possível avançar por aí com o actual nível de eurocepticismo prevalecente na maioria dos países da UE.

Seria trágico deixar morrer um projecto tão notável como a integração europeia. Por isso estou preocupado.