Versos da panfolia 91
A BOLA WILSON
Passo a noite sozinho
Como se vivesse sem
E o Mundo, o Mundo todo, me tivesse dentro
E a mais ninguém.
Não é fácil, não é fácil:
Primeiro, fechar portas e janelas bem fechadas
Prako som fique lá fora
E não me cheguem ecos de paixões, amuos
Ou sequer de alguma demora.
Depois, desligar.
A televisão com as suas notícias de outras vidas
Os telemóveis e as chamadas indevidas
A campainha, não vá o homem da edp
Chegar-se ao pé e carregar e pedir para fazer a leitura
E depois logo se vê.
Mas eu não quero, sou sozinho
No Mundo.
Não contemplar o firmamento da janela do meu tormento
Pranão ver o rasto dos jactos modernos
Carregados de vidas humanas
Cheias de sentimento
(seja medo, vontade de chegar, comichão viageira).
Nada de rádio nem computador, pois claro,
Tinha-me esquecido do maior actor,
Artificial, digital,
Esqueço-me,
Quero ficar sozinho e invejo Tom Hanks,
Porra meu que sorte,
Também eu procuro a bola Wilson e não encontro,
Se a vir, sabes,
Hei-de desenhar um cometa
Que vai por aí sem companhia em busca do infinito.
É uma treta, sabes, não há infinito,
Só muita matéria negra
Solidão,
Como a invejo.
Corre a noite, estou sozinho e ponho a tocar na coluna
Um tipo morto,
Talvez Jackson, o pedófilo, ou o artista antes chamado Prince,
Todos solitários incapazes de se libertar da fama,
É tarde, quase manhã, é tarde
E agora escuto Leonard e é tarde,
De repente alguém desata aos murros à porta
Talvez seja o vento,
Talvez continue sozinho
Ou talvez não,
Cohen conhece uma mulher chamada Joana d’arc
Será assim que acaba, desligo a música,
Abro a porta e um ser humano,
Gordo, barbudo, papel na mão, Joana d’arc
não deixes, imploro Leonard,
Que isso me marque,
Mas é tarde.
Não estou sozinho.
Assino e vou dormir,
Disposto a tentar outra vez.
E juro que não estou louco.
(gentilmente cedido por PAS, um escrito de 2019, ainda ninguém usava máscaras na rua)