(A Luta Necessária dos Moderados)
O nome de guerra é Cultura do Cancelamento. Pouco se tem falado dela em Portugal, apesar do termo ter sido considerado “termo do ano”” pelo dicionário Macquarie. Eu dou-lhe outro nome: CULTURA DO MEDO.
- Estou aos gritos? Estou. Porque a Cultura do Cancelamento provoca justamente o que o nome indica: medo. Impede o livre pensamento. Obriga a pensar duas ou três vezes (ou quatro ou vinte) antes de usar certas expressões ou palavras – na verdade, a bani-las do nosso pensamento.
- Resumindo muito resumido: a Cultura do Cancelamento (aka Cultura do Medo) consiste em “cancelar” o apoio a alguém, político, desportista, intelectual, empresa, personalidade pública, “influenciador”, no limite quem quer que seja, por um comportamento, uma opinião, palavras que alguém – a “opinião pública”, um grupo de fazedores de opinião, “seguidores” numa rede social – consideram errados. E por isso são-lhe cancelados a reputação, o acesso a determinados bens, o emprego, os contratos, ou outra coisa qualquer.
- No fundo, trata-se de um boicote, quase sempre virtual, com as redes sociais em destaque. Sendo elas, hoje em dia, o espaço público por antonomásia, porque tudo lhes chega, nelas tudo se espalha (até alimentam os órgãos de comunicação social tradicionais) e expande, ser delas banido significa o ostracismo. E uma inevitável perda de reputação.
- A Cultura do Cancelamento provoca medo. Pensar menos, pensar mal. Não pensar. É a Cultura do Medo. Pior, porque nos intima a banir certas ideias do discurso público. E até do privado. Deixamos de poder chamar as coisas pelos nomes. Pior (ainda): ao dar um nome às coisas, arriscamo-nos a pisar um risco qualquer. Quem o desenha? Ninguém. Mas ele está presente no nosso dia a dia, quando falamos, quando postamos, quando twittamos.
- A Cultura do Medo vai mais longe: proíbe a discussão dos assuntos que os seus defensores consideram não passíveis de discussão. Sejam quais forem. 2 exemplos: J. K. Rowling defendeu em tweets a ideia de que os transexuais – em concreto, as mulheres trans – não são verdadeiramente mulheres, já que o género humano é determinado pela biologia e não depende da vontade de cada um. Começou de imediato o processo de cancelamento, com acusações de incitamento ao ódio (contra os trans); milhares deixaram de a seguir.
- Riccardo Marchi, professor do ISCTE, escreveu o livro “A Nova Direita Anti-Sistema – o Caso do Chega”, em que defende, entre outras coisas, que o Chega não é de extrema-direita. Um conjunto de investigadores publicou um artigo, indignado pelo facto da comunicação social lhe dar espaço e voz. E mais: que se trata da higienização da imagem do Chega, posição inscrita “nas continuidades histórias e estruturais antidemocráticas e coloniais”.
- Concorde-se ou não se concorde com as ideias de Rowling (disclaimer: nunca gostei do Harry Potter, sou mais Senhor dos Anéis) e com a tese de Marchi, com o que não é possível concordar é com o seu “Cancelamento”! Discutamos as ideias, não as “cancelemos”.
- Além disso, este movimento gera o movimento oposto, radicalizando-se as posições de cada um. Foi o caso da carta assinada por Rowling, Margaret Atwood, Salman Rushdie (que sabe umas coisas sobre o assunto) e mais 150 personalidades contra a “restrição do debate” – e a “voga de envergonhar e ostracizar, numa tendência de dissolver questões complexas (…) numa moral cega”. E já tiveram resposta. Isto assim nunca mais acaba e ninguém cede.
- Entendamo-nos: detesto piadas de mau gosto, e ainda mais mau gosto a sério, sejam racistas, sobre o papel de homens e mulheres na sociedade ou orientações sexuais. Desprezo, muito, o bullying sobre os que não se podem defender.
- Mas uma coisa é a ignorância e a incultura, que podemos (se quisermos) ignorar, ou condenar discursos de incitamento ao ódio ou à violência, outra é a Cultura do Cancelamento, que gera Medo e provoca auto-censura, não educa para os valores, não contribui para a regeneração da sociedade, não constrói – é puramente destrutiva.
- O que pode fazer um moderado? Justamente chamar à razão quem cancela, apaziguar quem é cancelado, explicar do que se trata e por que razão é errado, dar opinião sem medo. E, como aqui faço, opor-se à Cultura do Medo.
- O Medo destrói o pensamento: esta frase, que recordo de um velho livro de ficção científica (Dune), salienta bem o aviltamento da mente humana causada por tendências, aliás antigas, para policiar o pensamento, a liberdade de expressão, a livre partilha de ideias entre gente civilizada. Contra o Medo, com coragem.