A crónica O Fim do Euro provocou muitos comentários, quase sempre com elevada carga emocional e até algumas reacções mais fortes. Porque julguei justificar-se, respondi aos leitores do Observador procurando enquadrar o tema e aprofundar alguns argumentos que, por poder ter interesse para alguns, agora aqui partilho.
Meus caros leitores e amigos
De vez em quando, por razões de agenda e respectivas consequências, é-me impossível responder a todos e a cada um, como gosto e uso fazer.
Foi o caso esta semana, até pela obrigação – para mim cívica – de acorrer a todos os pedidos para (tentar) explicar, comentar e analisar a situação helénica. Por isso, com grande pena minha, não pude corresponder-me com cada um de vós, exercício que é para mim, a um tempo, reconfortante – por saber que há quem leia as minha crónicas despretensiosas – e muito importante – por aprender sempre com quem comenta, o que me permite até, por vezes, emendar determinados hábitos de escrita, vícios de pensamento, ideias feitas.
Grato por isso, tal como grato estou pela oportunidade que este jornal – que por vezes alguns criticam, dizendo-o presa de agendas, fonte de preconceitos, bastião ideológico – me dá de escrever o que quero e como quero, com opiniões que são as minhas e nada têm a ver com agendas, ideologias ou preconceitos. Já o expliquei numa crónica recente, persisto e não desisto, graças também ao Observador.
Sobre a Europa, naturalmente, tenho ideias claras e estabelecidas ao longo de (já!) 31 anos de estudo, investigação, publicação, experiência vivida. Sou um defensor estrénuo desta integração europeia, que reputo de fundamental para o futuro dos povos europeus e em particular deste Portugal de que tanto gosto e que de certa forma representei ao longo dos anos.
Acredito na Europa porque ela é o meu continente – e o continente de todos os portugueses. Porque sem ela, estou convicto (muito fortemente) seremos sempre um pequeno povo com uma pequena economia, sujeita ao poder dos poderosos sem uma palavra a dizer; e em defesa dessa tese convoco a história em testemunho. Portugal, queiramos ou não, com maior ou menos fanatismo ou ideologia, foi sempre um país muito mais pobre (relativamente) do que é hoje. A realidade é esta, os números provam-no, tal como os factos provam que a soberania que muitos invocam foi sempre muito – demasiado – relativa, no que toca à nossa relação com os grandes poderes europeus (Espanha, França, sobretudo o Reino Unido).
Vivemos aliás uma época paradoxal: ao mesmo tempo que procuramos ancorar-nos definitiva e solidamente na União, onde temos voz, participamos nas decisões, podendo influenciá-las decisivamente, somos parceiros a tempo inteiro, vamos vendo passar para mãos estrangeiras – de outros continentes – empresas e instituições portuguesas; isto em si não tem mal nenhum, é até um bem, não se desse o caso de, em geral, se tratar de capital de proveniência desconhecida ou obscura, de países com duvidoso curriculum democrático ou de falta de respeito pelos direitos fundamentais.
Soberania? Mais e melhor só enquanto nos mantivermos dentro desta realidade europeia – desta integração – que já nos trouxe de uma média (de pib per capita na Europa dos 12) de 52 para 78% (actualmente, numa Europa de 28).
A minha crónica é uma ficção, claro, mas construída com base no que sei – e posso prever – da construção europeia e das consequências de um grexit. Como tenho defendido convictamente, até nestas páginas, o euro foi mal construído mas agora que existe – e as razões da sua existência nestes termos são exclusivamente políticas e de interesses nacionais que predominaram sobre o bom senso – não pode ser quebrado, sob pena de uma rápida implosão; sem euro (ou qualquer outra forma de integração monetária), o mercado interno durará duas ou três décadas, no máximo, e também já expliquei as razões desta minha tese; sem mercado interno, a União não fará mais sentido e tornar-se-á, como tantas outras, uma zona de livre troca.
Ficaremos melhor? Uns vão dizer que sim, eu estou certo que não.
Claro que esta minha ficção despertou paixões, irritações, alguns insultos. Agradeço (muito sinceramente) a todos os que tiveram palavras de incentivo e simpatia, desculpo os restantes, pois percebo a incomodidade e até, provavelmente, a emoção que também lhes despertou esta crónica.
Nada que me incomode muito, pelo contrário: ainda bem que reagem, é sinal que conta, um ponto mais no conto europeu que vimos escrevendo.
Com muita estima
(texto editado, pois a versão do Observador, escrita ao correr da pena, tinha algumas gralhas e repetições escusadas)