ESTÁ NA ALTURA DE LUTAR PELA UNIÃO EUROPEIA!
No dia 28 de Outubro, Will Hutton escreveu no The Guardian/The Observer um notável texto sobre a União Europeia. O artigo teve até hoje 994 comentários. Vale a pena lê-lo e, se possível,divulgá-lo. Quem acredita na importância de um continente europeu unido e solidário, precisa de acreditar na necessidade de lutar por ele. Nada se consegue sem custo e a aliança nefasta dos eurocépticos e dos que passam à margem, convencidos de que viverão sempre no melhor dos mundos, pode destruir, como escreve Hutton, os valores que fazem de nós genuinamente europeus.
Eis o artigo:
(tradução do original de Francisco Ferreira/Observador)
O mais pequeno continente do mundo – a Europa – é o continente com mais países. Somos 49 (excluindo a Rússia) distribuídos por uma área geográfica relativamente pequena. A maioria de nós, num ou noutro momento na História, travaram guerras entre si. Sentimos a presença de velhos ressentimentos. Os apelos ao orgulho da singularidade do nosso sangue e etnicidade – da Escócia à Sérvia, da Catalunha à França, de Clacton a Budapeste – abundam. Estes não são os alicerces que nos permitirão viabilizar boas relações diplomáticas, comércio e prosperidade.
A questão permanente com que a Europa se depara consiste na maneira como os seus países gerem as suas inter-relações – que devia ser construtiva e não destrutiva. Em 2014, ninguém espera que as guerras pan-europeias do século XX se repitam. No entanto, isso não significa que atitudes populistas, de natureza venenosa, não possam voltar a emergir nos nossos países, incentivadas por graves desigualdades, economias estagnadas e consternação.
Mas os povos europeus estão moldados pelo seu passado cristão, independentemente do quão seculares nos tenhamos tornado, e pelo Iluminismo, pelo compromisso com a racionalidade, o Estado de direito e a democracia. A industrialização e a urbanização na Europa forjaram um poderoso compromisso com a solidariedade social. Existem valores comuns e subjacentes que nos ligam.
Além disso, a proximidade geográfica deu sempre à Europa o seu caráter especial, mesmo que isso se resuma a disponibilizar uma escapatória no país ao lado ou novas ideias que, simplesmente, podem passar uma fronteira. Sem a Holanda protestante, William Tyndale não teria onde imprimir a Bíblia em inglês; a Revolução Industrial teve origem em cientistas e empreendedores exilados de toda a Europa. A história do Ukip/Tory, de que a grandeza da Grã-Bretanha tem base na sua independência da UE, não passa de um conto de fadas (sublinhado meu). Somos parte da história e da evolução do nosso continente, e partilhamos tanto dos seus valores, como qualquer outro país europeu. Possivelmente, somos os europeus genuínos.
A Grã-Bretanha foi o líder agressivo no colonialismo europeu, o pioneiro na criação do Estado de direito, supervisionando e equilibrando o estabelecimento constitucional e na industrialização e um dos primeiros a adotar o conceito bismarkiano do estado social. Por necessidade, fizemos parte do sistema político europeu; durante séculos, a Grã-Bretanha procurou políticas de equilíbrio de poder, algo central à nossa forma de fazer política. O afastamento do palco onde as diferenças da Europa de hoje são discutidas, negociadas e reconciliadas – Bruxelas, Estrasburgo e a União Europeia – deixaria os nossos antepassados perplexos.
A UE é um grupo de 28 nações com a ambição mínima de reconciliar pacificamente os interesses nacionais em conflito – com a grandiosa esperança de libertar a criatividade do continente, criando um único espaço económico com uma governação multinacional consistente com a soberania nacional. As falhas da sua concepção estão à vista de todos – desde o pagamento de 1,7 mil milhões de libras imposto ao governo britânico até à incapacidade de gerir o euro de modo a que sirva de apoio ao crescimento continental – e os seus críticos ganham espaço para serem ouvidos, especialmente no Reino Unido.
No entanto, é o melhor que temos, e se isto não existisse algo de semelhante teria de ser inventado. A Europa, seja no setor energético, bancário, dos transportes, de segurança, nos telefones, nas alterações climáticas, no controlo de tráfego aéreo ou na sobre pesca, é caracterizada por uma profunda densidade de interdependências e de inter-relações. Imaginar que cada um de nós seria gerido de um modo melhor por estados soberanos, que negociariam uma posição comum sem qualquer apelo a instituições comuns ou ao reconhecimento de interesses e valores comuns, seria negar a realidade.
Mesmo o amaldiçoado euro, a suposta causa de tudo, desde a estagnação secular até à ascensão da direita populista, tem uma função fundamental. Taxas de câmbio flutuantes não são uma panaceia económica, especialmente num pequeno continente com tantos interesses contíguos em competição, onde a tentação das desvalorizações competitivas está sempre presente. A estagnação secular tem raízes muito mais profundas. Sem uma moeda única e sem o Banco Central Europeu, os sistemas bancários dos estados europeus mais pequenos teriam colapsado durante a crise financeira, criando um efeito de dominó que teria acabado por derrubar os maiores. É possível que os tempos conturbados ainda não tenham chegado ao fim mas houve um avanço fundamental. E muito pouco disto é reconhecido na Grã-Bretanha.
Da mesma maneira, as outras conquistas da UE não são reconhecidas nem admiradas. A ressurreição da indústria automóvel britânica depende da continuidade no mercado único. A prosperidade e produtividade da agricultura britânica foi impulsionada pelas menosprezadas políticas de agricultura. A City of London é o banqueiro e o advogado da Europa. As nossas jovens startups de alta tecnologia vendem para o mercado único. A própria análise do governo sobre os prós e contras da adesão à UE, ainda incompleta, apenas encontrou, até agora, benefícios.
E contudo a história contada pelo Ukip, maioritariamente económica, consiste no impacto maligno da imigração na UE, que tira emprego aos nativos britânicos e que reduz salários. A proclamação de Andrew Green, cujo MigrationWatch tanto tem feito para suscitar apreensão sobre o maléfico impacto da imigração, mostra-nos o quão popular esta visão se tornou.
É verdade que várias análises económicas sugerem que, a cada 300 mil imigrantes, os salários dos trabalhadores que estão entre os 5% – cerca de 1,5 milhões – menos bem pagos, é reduzido em 1,9 € por semana, e que metade dos imigrantes todos os anos vêm da UE. Aparentemente, esta abertura tem um custo para nós.
O que nunca foi discutido foram as vantagens, mais do que compensadoras. Se a Grã-Bretanha deixasse a UE, alguns dos 3,3 milhões de postos de trabalho dependentes do mercado único desapareceriam. É verdade que 2,3 milhões de cidadãos da UE vivem na Grã-Bretanha mas 1,8 milhões de britânicos vivem na Europa.
Quanto aos salários em queda, o verdadeiro inimigo não é a imigração mas sim os sindicatos enfraquecidos. Se o peso dos salários no rendimento nacional fosse o mesmo de há 35 anos, o trabalhador médio receberia mais 100 libras por semana. Os eleitores de Clacton, Rochester, Heywood e Middleton fariam melhor em direcionar a sua ira contra os dirigentes da Grã-Bretanha por terem enfraquecido a proteção dos trabalhadores.
Alguns controlos de imigração são imperativos: nenhuma infraestrutura pode suportar um crescimento de imigração rápido e ilimitado. Mas dentro dessas restrições devemos mostrar a maior abertura possível. Se assim o quisermos, podemos compensar os trabalhadores que estão entre os 5% menos bem pagos com os salários dos restantes.
Mais importante do que isto é manter a Grã-Bretanha britânica – não no sentido de afastar quem não nasceu na Grã-Bretanha mas no sentido de manter o nosso sentido de justiça, de tolerância, de abertura e o reconhecimento de que nós também somos europeus.
A verdadeira identidade britânica – a “britanidade” (nota minha) – está a ser queimada à nossa frente. A maioria de nós não gosta nem quer o que Farage e os eurocéticos Tory nos andam a vender; uma sondagem mostrou que o apoio à UE chega aos 56%, a percentagem mais alta em 23 anos. Da mesma maneira, não queremos canções pop nocivas, empresas de táxi com políticas racistas e a incitação ao antissemitismo. A UE, com todas as suas fragilidades e imperfeições, é um nobre empreendimento – e isto raramente é dito. É uma representação do melhor da nossa civilização e dos seus valores iluministas, mesmo com o seu compromisso de livre trânsito de pessoas. E agora precisa de amigos. Está na altura de lutarmos por ela.