O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu esta semana – numa decisão histórica, que ficará para o bem ou para o mal como um marco na formatação, de valores e jurídica, da nova realidade global apoiada na Internet – que cada um de nós tem direito a ser esquecido.
O caso analisado pelo tribunal europeu teve como ponto de partida a queixa de um cidadão espanhol contra o Google. Em 1998, Mario Costeja González foi objecto de uma penhora por dívidas à segurança social, tendo o seu nome sido publicado num anúncio de jornal. O caso parecia assim encerrado.
Mas a Internet não dorme nunca e os seus arquivos são eternos; sobretudo porque o jornal digitalizou o seu arquivo em 2008 e agora, sempre que alguém busca no Google o nome do senhor, lá aparece a página incriminadora… que informa contemporâneos e vindouros, para todo o sempre, sobre o pecadilho de Mario Costeja González, dono à época de um apartamento com 90 m2 na Rua Montseny, em Barcelona, à venda por 8 milhões e meio de pesetas.
Costeja queixou-se à Agência Espanhola de Protecção de Dados há quatro anos, pedindo que o La Vanguardia retirasse a página em causa ou pelo menos o seu nome, e demandou o próprio Google, pedindo-lhe que deixasse de indexar a página. A Agência ilibou o jornal mas considerou que o direito da União Europeia protege o senhor contra o acesso a essa informação. O Google não aceitou a ordem da Agência.
A decisão do Tribunal europeu não vai apagar de um dia para o outro os nossos registos na net, obviamente, nem as frases apressadas que escrevemos ou as fotografias comprometedoras… mas é um primeiro passo do lado do direito à privacidade contra a total liberdade da informação, sem regras nem limites, na batalha travada em permanência na Internet, no Facebook, nas redes sociais. Também não será por ela (decisão) que tais informações poderão ser todas localizadas, já que a partilha de dados é instantânea, universal e, em muitos casos, os textos ou fotografias em causa estão guardados em computadores ou equipamentos pessoais indetectáveis e indetectados, até que alguém faz… send. Já para não falar, claro das chamadas agências de informação, que negoceiam dados e informações pessoais e comerciais, vendendo-os em distintos mercados pelo mundo fora, um negócio de muitos milhões.
Muita gente não concorda com esta decisão europeia. Veja-se a reacção, por exemplo, do USA TODAY de dia 14, no seu editorial (peço desculpa de copiar o texto exclusivamente em inglês, tentarei resumi-lo em português num próximo post):
(…) At first blush, this week’s surprise ruling by Europe’s top court that people have a “right to be forgotten” on the Internet might seem appealing. After all, who among us wouldn’t like to see some embarrassing photo, or other unflattering details about our past, just go away? But in ordering Google to sever links to information considered humiliating or irrelevant, even if the information is accurate, the Court of Justice of the European Union has erred. The court is blaming the messenger. And it is doing so in a way that attacks free speech, one of the fundamentals of democratic society.
OPPOSING VIEW: EU strikes a blow for privacy
Google, and other search engines that would be covered by the ruling, do not snap selfies at wild parties. They do not foreclose on homes or issue DUIs. And they do not put up posts that publicize these events. The search engines are modern tools for acquiring knowledge and should not be blamed for the fact that the World Wide Web has a long memory. In fact, search engines have given people unprecedented ability to research the reputations of dates and doctors, candidates and contractors — an ability that will be compromised if those reputations can be airbrushed on demand. (…)
The very notion of government imposing a statute of limitations on free speech rights is creepy. The rules associated with such a regime would be nightmarish, and they would undoubtedly set off a stampede of politicians and other powerful people trying to sanitize their pasts. The European court believes it can finesse the issue by leaving content alone but restricting the method by which people get at it. It’s a bit like telling a newspaper publisher he can say anything he wants, so long as he doesn’t distribute his paper beyond a few close friends. The ruling doesn’t have a direct bearing on Internet users in the United States. Nor are U.S. courts likely to follow suit, thanks to the First Amendment. But if European courts apply enough penalties, Google could amend its practices in ways that limit Americans’ searches on European topics. In the extreme, it could lead to Europe erecting digital walls that fragment what is now a borderless Internet.
Questions of privacy and free speech involve a very delicate balance. The European court has most definitely not found it. (…)” (ver texto completo em USA Today).
Saliento o seguinte ponto (tradução livre): “Se os tribunais europeus aplicarem multas suficientes, o Google pode alterar a sua prática de modo a limitar as pesquisas americanas sobre tópicos europeus. No extremo, pode levar à construção de muros digitais na Europa, que fragmentem a actual Internet sem fronteiras”.
Por todas estas razões e argumentos, a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia não é obviamente nem decisiva nem final. Ela é em simultâneo histórica e insuficiente para impedir os riscos de uma Internet “big-brother”, onde todos os nossos erros estarão permanentemente à disposição dos nossos inimigos ou simples curiosos.
O que esta decisão provoca, no fundo, é a necessidade de avaliar cada vez mais cuidadosamente a relação entre os interesses públicos e o direito à informação e a protecção dos privados e do seu direito à privacidade.
Trata-se de um tema a seguir, de enorme importância, e que os candidatos às eleições europeias bem poderiam discutir na presente campanha, esquecendo por momentos os chavões genéricos e o debate interno. O futuro, claro, passa por aqui.