O referendo inglês – 2017 é já amanhã
Recordando o que está em causa: há cerca de um ano David Cameron anunciou para 2017 a realização de um referendo sobre a relação do Reino Unido com a União Europeia.
Esse referendo, explicou o primeiro-ministro britânico numa alocução pública que fez furor, seguir-se-ia a uma reforma dos Tratados e, naturalmente, dependeria da vitória dos conservadores nas eleições legislativas de 2015. Caso a reforma proposta pelos ingleses tivesse sucesso, Cameron comprometia-se a fazer campanha pela continuidade do país na União Europeia.
Em suma, o líder inglês colocou os seus parceiros europeus perante uma opção aparentemente simples: apoiar uma mudança (muito radical) do Tratado da União, ou correr o sério risco do Reino Unido abandonar a União na sequência do referendo de 2017. Porque afirmo tratar-se de uma mudança radical? Por duas razões:
Primeiro, porque as mudanças sugeridas – como a devolução de poderes ao Parlamento inglês (não se sabe bem quais) ou o recuo na livre circulação de pessoas – põem em causa princípios fundamentais da construção europeia.
E segundo porque, no essencial, o que os ingleses propõem é mudar a relação do Reino Unido com a União, o que não é possível juridicamente, não é desejável no actual contexto económico e nem sequer é compatível com a natureza da própria construção europeia. A alternativa seria que as alterações a fazer ao Tratado fossem aplicáveis a todos os membros, no que aparentemente a maior parte não está interessada.
Qualquer alteração ao Tratado tem de ser aprovada pelos 28 Estados-membros e sujeita ao voto dos respectivos parlamentos, com a possibilidade de referendos prévios. Não há qualquer hipótese de haver unanimidade em qualquer proposta que altere minimamente as regras do jogo europeu na presente conjuntura.
E por isso, como muitos de nós dissemos há um ano, a jogada de David Cameron não passa de um bluff que dificilmente deixará de ser desafiado por outros líderes europeus. François Hollande, com quem Cameron se reuniu na sexta-feira, já disse “ni penser”! A própria Merkel, inicialmente receptiva às pretensões inglesas, também se tem mantido em silêncio.
Mas afinal alguém acreditava ser possível alterar o Tratado em 3 anos!?? Nenhuma reforma demorou tão pouco desde Maastrich. A última, a de Lisboa, levou cerca de 7 anos. Repito: alguém acreditou nisso?
A Cameron não restam muitos caminhos: continuar a insistir na impossível reforma, naturalmente. Caso ganhe as eleições em 2015, dificilmente poderá deixar de pôr de pé o referendo.
Apoiará ele a saída da União (ou abster-se-á, no melhor dos casos) já que não haverá quase de certeza qualquer reforma do Tratado? Permitam-me uma aposta: mesmo nessas condições, ele será um (discreto) defensor da continuidade inglesa na União Europeia.
Há apenas uma incógnita neste caminho: os resultados eleitorais, quer das eleições europeias próximas quer os de 2015. Voltarei a este tema.