Um dia, dentro de muitos anos – na melhor das hipóteses -, alguém escreverá sobre o período que vivemos, o mesmo que hoje escrevemos sobre os anos do pós-guerra (II): foi um tempo de mudanças no Ocidente. Um tempo de descida à terra, de confronto com a realidade, mas também um tempo de adaptação, de recomeço e de reconstrução.
Após a Segunda Grande, estava a Europa exaurida de recursos, destruída e exangue. Alguns países, como Portugal e poucos mais, ilhas de paz num continente a ferro e fogo, tinham atravessado esses anos com relativa prosperidade. Outros, como a Alemanha, afogavam-se num mar de cinzas. A (re)construção europeia, o plano Marshal e um espírito de resistência e revolta – contra o inevitável soçobrar no abismo -, fizeram do continente europeu, de novo, o centro do Mundo e um oceano de prosperidade. Seguiram-se décadas de crescimento e riqueza (“les 30 glorieuses années”)…
Após a Grande Crise Económica do século XXI (a primeira?), há na Europa, pasto da voracidade de alguns, vítima da sofreguidão e da ilusão de muitos, terreno frágil devastado pelas bombas do crédito desenfreado, das “alavancagens” insustentadas, dos swaps, dos subprimes e do crédito ilimitado à habitação, do gastar mais do que a conta, vários países à beira da falência. Outros, mais previdentes, mais empreendedores, mais bem situados, atravessam estes anos com maior tranquilidade e prosperidade. E a União Europeia, apesar das críticas e de uma estridente barragem de críticas, apesar das suas próprias fraquezas, tensões internas e divergências, tem sido capaz de acudir aos aflitos: com condicionalidade e exigência de contrapartidas, é certo; com grande sacrifício por parte dos cidadãos desses países, é verdade; sem total sintonia sobre as medidas mais adequadas ao reequilíbrio das contas e à recuperação da economia do bem-estar, sem dúvida.
Mas tem-lo feito: Espanha e Irlanda, para já, assinalaram pretender seguir o seu caminho livres do abraço – salvador mas apertado – da Europa e do FMI. Portugal e a Grécia, apesar dos anúncios que há três anos fazem muitas aves de mau agouro, continuam a lutar pela recuperação do equilíbrio das contas públicas, contra dívidas públicas criadas sobretudo durante os anos de chumbo da loucura financeira.
Um dia – prevejo, consciente da ilusão que acalento, mas esperançado em ter razão -, alguém escreverá que este foi o tempo em que a Europa se debateu com o segundo dos seus fantasmas, depois do maior de todos (a guerra civil europeia):
A desgraça económica. Dirão que se bateu e que venceu, dirão que, graças à coragem dos seus habitantes e à visão dos que nunca deixaram de acreditar, os europeus subsistem. Se assim for, e eu creio que será, terá valido a pena.
E entraremos unidos num futuro que almejamos e que, sem a união, dificilmente terá lugar.