É dos livros: em situações como a que vivemos é difícil permanecer construtivo e sereno.
Vem isto a propósito das referências de alguns responsáveis europeus – a começar pelo Presidente da Comissão Europeia – sobre a crise portuguesa e o papel do Tribunal Constitucional. Muitas foram as vozes que em Portugal se manifestaram a criticar essa intromissão nos nossos assuntos internos. Também a senhora Lagarde e o FMI mereceram reparos.
Correndo o risco de perder 90% dos leitores no final desta frase, parece-me natural que as instituições europeias se preocupem com o que se passa no nosso país; que, de alguma forma, tomem posição sobre aquilo que, de génese interna – também em domínios da chamada “alta” soberania, como no caso da Constituição e das suas normas -, tem consequências externas, nomeadamente na nossa integração europeia; já julgo que é ir longe de mais tentar influenciar decisões de instituições nacionais, embora compreenda a sua razão de ser.
Para os 10% de leitores que ainda me seguem nesta parágrafo, recordo algo que a voracidade e inquietude dos tempos que correm tem obscurecido: a integração europeia é um bem comum aos 28 Estados-membros da União Europeia e nenhum deles é obrigado a permanecer nela; basta lembrar que já em 2015 o Reino Unido deverá colocar essa pertença a referendo. Mas enquanto existir um projecto comum, tudo o que se passa num país que tenha consequências para os outros deve ser objecto de preocupação, reflexão e opinião por parte das instituições europeias, que são responsáveis e guardiões do interesse comum. Já interferir nos processos democráticos internos é outra questão…
Um brevíssimo comentário mais, antes de voltar ao tema central:
A integração europeia visa objectivos simples e claros:
A paz na Europa, assegurada há quase 70 anos entre os países que constituem a União, algo de inédito na História milenar deste continente – nunca aconteceu! É improvável que aconteça? Pois isso mesmo pensavam os europeus em 1914, imediatamente antes da 1ª Guerra (basta revisitar Stefan Sweig).
O segundo objectivo é o desenvolvimento económico e uma equilibrada repartição da riqueza; neste caso, a dúvida instalada nos últimos anos no espírito dos europeus despertou velhos demónios das democracias ocidentais. Por um lado, esquecemos que durante quase 40 anos a Europa viveu um extraordinário boom económico e alcançou um Estado de bem-estar raro (ou inédito) na História humana. É um facto que atravessamos uma crise – mas não atravessamos todos a mesma crise, nem ao mesmo tempo, nem com as mesmas consequências. Portugal tem de decidir se prefere enfrentar os ventos que o futuro traz sozinho, como fez tantas vezes no passado (com o indizível sofrimento que infelizmente muito se desconhece), ou prosseguir uma aventura colectiva que não está fadada ao sucesso mas de cujo sucesso depende o futuro do continente. É fácil e é só isso.
Voltando aos comentários de responsáveis europeus sobre a actuação do Tribunal Constitucional: o momento em que estas declarações são feitas não é o mais adequado (entendendo eu embora porque são feitas neste momento). Em cima da apresentação de um orçamento duríssimo, essas palavras são sal grosso sobre a carne viva de uma nação que sofre. Deviam ter sido guardadas para outra altura, com mais recuo e maior possibilidade de serem entendidas.
Entenda-se: no actual estado do país, ouve-se muito mais do que se escuta.
É normal. Mas ao avaliar posições como as de Barroso, do representante da Comissão em Portugal (ao que dizem), de Lagarde, não devemos também partir do princípio que elas servem qualquer tipo de agressão, agenda maléfica ou menorização de Portugal; antes, que são uma parte do processo em que as acções de uns se repercutem na vida de outros, sendo que uns e outros estão (estamos) juntos no mesmo caminho.