É a primeira vez que um grupo político europeu – neste caso o dos Socialistas e Democratas Europeus -, indica formalmente um candidato ao cargo actualmente exercido por Durão Barroso. Qual a importância disso? É que o Tratado de Lisboa prevê que a proposta do Conselho Europeu do candidato a esse cargo tenha em conta as eleições para o Parlamento Europeu; note-se que o texto do artigo, que é o 17º nº 7 do Tratado da União Europeia, não fala de resultados, o que já foi interpretado por alguns como uma “habilidade” para permitir ao Conselho da União Europeia ter liberdade na suas propostas – não é, como veremos, uma falsa questão.
O que isto no fundo quer dizer é que, face aos resultados dessas eleições, que terão lugar em Maio de 2014, a personalidade a propor pelos membros do Conselho Europeu (os 28 Estados-membros) deverá sair do grupo político vencedor. Pode alegar-se (e não sem razão prática) que não pode ser de outra forma pelo facto do Parlamento Europeu ter de eleger o senhor ou senhora em questão por maioria dos seus membros. Não parecendo viável que essa eleição se possa fazer contra o grupo político vencedor, isso pode acontecer pela força coligada de outros grupos. Repito: não é viável, até tendo em vista a história da composição da instituição, mas é possível.
À proposta do Grupo Socialista Europeu deverá seguir-se a do PPE, Partido Popular Europeu (um passarinho soprou-me o nome do francês Michel Barnier, actual comissário europeu e vice-presidente do PPE). Ora, esta ou estas propostas, têm um significado político preciso, com diferentes dimensões:
Primeiro, fazer disputar as eleições europeias à luz dessas propostas e dos nomes apresentados. Imaginemos que os dois políticos referidos – Schulz, já indicado pelos socialistas e Barnier (ou outro qualquer, com igual peso) -, pelo menos, surgem à liça na campanha, cada um com as suas ideias para a Europa, a sua relevância político, a sua nacionalidade (da Alemanha, França ou de outro país qualquer), que tem indiscutível leitura política? As eleições europeias serão necessária e inevitavelmente diferentes de todas as outras já disputadas, em que, para além dos cabeças-de-lista dos partidos, sempre empenhados em querelas internas (nacionais), quase ninguém mais parecia dar à natureza europeia do escrutínio a importância merecida.
O segundo ponto respeita ao facto de dificilmente após as eleições o Conselho Europeu poderá deixar de propor um dos candidatos que os grupos políticos europeus tiverem indicado. Neste caso, diga-se de passagem, nem a possibilidade de haver uma espécie de coligação negativa me parece colher, pois o partido europeu/grupo político derrotado (isto é, o que não tiver a maioria dos votos dos europeus) não terá qualquer interesse em inviabilizar a candidatura do candidato do partido vencedor, sob pena de irremediavelmente se colocar em posição de lhe vir a acontecer o mesmo no futuro.
Finalmente, deste modo, evita-se aquele que tem sido o padrão em quase todas as escolhas do Presidente da Comissão Europeia desde o fim dos mandatos de Jacques Delors: um candidato de terceira ou quarta escolha, para evitar propostas difíceis de aceitar por uns ou por outros (Blair, recordam-se?). Note-se que não estou a criticar neste ponto Durão Barroso, que na minha opinião tem exercido com enorme dignidade e competência o cargo – sinceramente, gostava de ver quem o faria muito melhor nas actuais circunstâncias -, mas é um facto que a sua escolha, como a de Samper ou Prodi, foram sempre formas de contornar opções que sempre se revelariam… escolhos (e dificilmente passariam no escrutínio do Parlamento Europeu).
Pode pôr-se a questão de saber o que se poderá passar se um dos grupos políticos (relevantes no PE) não apresentar candidato. Por grupos relevantes entenda-se para já – até que a história futura decida de outra forma – aqueles que têm partilhado o poder na instituição, e que são essencialmente o PPE, os socialistas e os liberais, estes sobretudo como fiel da balança. Ora é porque apresentar um candidato faz sentido para aquilo a que me atrevo a chamar “a causa” dos grupos políticos europeus, por todas as razões acima referidas, que estou convencido que isso não acontecerá (e os S&D já deram o primeiro passo). Se acontecer, contudo, na pior das hipóteses não será pior do que até aqui… mas a democracia (e a legitimação da Europa, em tempos difíceis) ficam a perder.
Ah, e note-se, para embrulhar tudo isto, que a escolha do Conselho Europeu é feita por maioria qualificada, evitando bir… perdão, vetos mais ou menos decorrentes de personalizações ou ódios (salvo seja) pessoais, institucionais ou nacionais.
Em suma, a escolha a fazer pelos partidos políticos europeus tem a maior relevância. O nome até agora proposto, Martin Schuz, tornou-se já sem dúvida um peso pesado da política europeia, com um notável desempenho como Presidente do Parlamento Europeu. Aqui fica um breve bosquejo do curriculum deste alemão apreciado em vários países europeus pelo seu falar franco mas também pela forma inteligente como aborda os assuntos difíceis da governação e da crise no continente (depois, admita-se, de um começo titubeante):
Nasceu em Hehlrath na Alemanha a 20 de Dezembro de 1955, tem pois 58 anos (terá 60 no início do mandato da próxima Comissão). Foi livreiro, com livraria aberta em Würselen durante 12 anos. Iniciou a carreira política no Partido Social-Democrata alemão em 1974. Durante 11 anos, foi presidente de câmara na Renânia do Norte – Vestefália, o mais jovem presidente aí eleito (em 1986). Em 1994 chegou a deputado europeu e foi membro de várias comissões, líder dos deputados europeus do SPD e subsequentemente vice-presidente dos socialistas europeus. Em 2004, ascendeu a líder do grupo e, a 17 de Janeiro de 2012, a Presidente da instituição.
Para um CV mais desenvolvido:
http://www.europarl.europa.eu/the-president/en-pt/president/html/biography