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Série: descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar (por Eva Gaspar)

Hoje, a PRIMEIRA DIFERENÇA: SERVEM PARA COISAS DIFERENTES

 Autora: Eva Gaspar

 Há quem os tome por sinónimos, mas não são. A Grécia já teve um segundo resgate; a Irlanda poderá em breve ter o primeiro programa cautelar. Portugal quer seguir-lhe as pisadas.

1. Para que servem?

Um resgate, ou seja, um programa de assistência financeira assegurado pela comunidade internacional e condicionado a um conjunto de medidas e metas que têm de ser cumpridas pelo país beneficiário, é o instrumento de resolução de crises mais extremo, poderoso e intrusivo. Um segundo resgate oficial (ou seja, um segundo empréstimo da UE e do FMI enquadrado por um novo memorando de entendimento) foi o que a Grécia recebeu em Março de 2012, porque não havia a menor condição de o país regressar aos mercados quando se encarava o fim do primeiro programa de assistência financeira da troika, acordado em Maio de 2010. No caso grego, o segundo resgate foi acompanhado da exigência “irrepetível” de que os investidores privados perdoassem parte da dívida grega em sua posse.

Já um programa cautelar assenta, ao invés, no pressuposto de que o país beneficiário reúne o mínimo de condições para se financiar nos mercados. Essa avaliação é feita com base em seis critérios entre os quais figura “um passado de acesso, em termos razoáveis, aos mercados internacionais de capitais” e uma dívida pública e posição externa “sustentáveis”.

Os programas cautelares estão previstos no papel (em concreto, no quadro das novas modalidades de assistência que foram conferidas ao Mecanismo Europeu de Estabilidade), mas nunca foram até hoje accionados. Como o nome sugere, pretende-se oferecer uma espécie de seguro, inspirado nas linhas de crédito flexíveis do FMI. No limite, estas linhas de crédito, ou autorização de saque de fundos, podem até nunca ser activada se o país conseguir satisfazer as suas necessidades de financiamento pelas vias normais, junto dos investidores. Já no quadro de um resgate, o país suspende o essencial das operações de venda de dívida e fica por um período a ser sustentado por empréstimos “oficiais”.

Ainda ao contrário do resgate, que é um instrumento de resolução de crises, os programas cautelares pretendem prevenir crises – ou o seu agravamento. Foram, aliás, originalmente pensados no auge da crise do euro para evitar que uma Espanha ou uma Itália chegassem a uma situação em que, perante o fecho dos mercados, tivessem também de ser resgatados – opção que acarretaria custos financeiros e políticos possivelmente incomportáveis para os próprios e para a Zona Euro.

Os programas cautelares poderão, no entanto, ser inaugurados não por pesos-já-pesados do euro mas por recém-resgatados. A Irlanda é o primeiro potencial candidato. O financiamento oficial da troika termina em 8 de Dezembro, mas como as taxas de juro da dívida irlandesa a dez anos (“yields”) andam no nível muitíssimo aceitável de 3,6% (as portuguesas estão em 6,2%), o Governo de Dublin poderá tentar o regresso aos mercados sem antes pedir uma “rede de segurança” aos parceiros do euro.

Ainda assim, o cenário central que se antecipa nos mercados e nos meandros europeus assenta num pedido irlandês de um empréstimo cautelar para reduzir os riscos na transição para um quadro de financiamento autónomo.

Portugal quererá seguir-lhe as pisadas no próximo ano, no quadro da preparação do fim do programa oficial, que termina em Junho de 2014. É neste contexto que se enquadrarão as recentes declarações, em Londres, do ministro da Economia Pires de Lima.

Próximo post, a colocar na sexta-feira, dia 1 de Novembro:  SEGUNDA DIFERENÇA: ACTIVAM-SE DE FORMA DIFERENTE.

(texto original publicado no Jornal de Negócios on-line do passado dia 23 de Outubro)

O meu convidado: Eva Gaspar

EvaGaspar[1] 

A Eva Gaspar é jornalista. Não tem tempo para mais nada excepto, naturalmente, a família.

Fizemos um acordo: ela escolhe alguns textos que publica on-line no seu jornal, consoante o interesse que julga terem para um blog designado “euratória”. Envia-me esses textos e eu adiciono-os aqui. É simples. É justo. E a quem tiver a paciência de aceder a este blog oferece uma visão (muito) conhecedora da realidade europeia, do funcionamento das instituições, das políticas públicas, do comportamento dos políticos.

Com a sua contribuição o euratória torna-se, espero, muito mais útil para todos quantos o frequentarem.

É que a Eva foi correspondente em Bruxelas durante muitos anos. Acompanhou Cimeiras europeias, entrevistou deputados e comissários, primeiros-ministros e responsáveis portugueses (e não só), frequentou o meeting diário da Comissão europeia centenas de vezes. Durante todo esse tempo, tornou-se uma voz respeitada, uma profissional escutada, uma jornalista credível. E o Jornal de Negócios ofereceu-lhe a possibilidade de exercer esse magistério em Portugal, após tantos anos ausente, fazendo o que gosta no seu país.

A Eva é pão pão queijo queijo: como jornalista relata factos, dilucida de forma clara (e sempre objectiva) os temas mais complexos. Como comentadora, o que é também cada vez mais, diz exactamente o que pensa sem tabus nem complexos, elogia aquilo de que gosta, critica quando julga haver razões para isso. E, mais do que ouvir, escuta, integrando as opiniões alheias e perguntando sempre, como deve fazer uma pessoa inteligente (sobretudo se é jornalista).

Prometeu artigos e eu prometi publicá-los aqui, partilhando-os com amigos, no blog, naturalmente, mas também no Facebook e através das diferentes listas de distribuição que alimento.

A Eva Gaspar é uma mulher bonita e uma mulher inteligente. Alguém me disse um dia que não há pior combinação aos olhos daqueles que execram nos outros aquilo que lhes falta e procuram compensar com arrogância, cegueira, estupidez.

Felizmente, ainda há jornalistas assim. E felizmente, ela privilegia-me com a sua amizade.

 

Notícias: o Conselho Europeu (e não só)

Nesta segunda-feira, e após uma Cimeira Europeia, parece-me que vale a pena fazer uma breve síntese do que de mais importante nela se passou.

  •  E afinal o que deu a revelação da espionagem americana (NSA) sobre milhares de europeus – incluindo alguns líderes (ou todos?…) como Merkel? A resposta é, no mínimo, ambígua, se quisermos ir mais longe, desanimadora: preocupação, mas também afirmações sobre a necessidade de preservar a relação entre os dois lados do Atlântico; apelos a uma maior confiança, mas também a afirmação clara sobre a importância dos serviços secretos na luta contra o terrorismo. O Presidente do Parlamento Europeu pedia a suspensão das negociações do acordo de comércio livre; os chefes de Estado e de governo acordaram numa missão bilateral, liderada do lado europeu pela Alemanha e a França, para gizar com os Estados Unidos um código de conduta para regular a actividade dos serviços secretos. Crime sem castigo? Ou antes a percepção de que o castigo do crime seria mais grave para as vítimas do que para o autor desse crime? Quase, quase, amigos como sempre…
  • Outra decepção, sem dúvida, foi o adiamento do plano de acção para migrantes ilegais. Depois dos apelos generalizados – do Papa a organizações humanitárias e de solidariedade (passando pelo Presidente da Câmara de Lampedusa) – um pouco por todo o lado, esperava-se que os líderes europeus acordassem numa rápida resposta ao flagelo dos naufrágios e afogamentos no Mediterrâneo, adoptando um plano de acção europeu. Ficou adiado para o mês que vem: a Cimeira acabou por ser dominada pelo tema da alegada espionagem norte-americana (ver notícia anterior) e pouco tempo sobrou para uma discussão aprofundada e séria do drama dos afogados na tentativa de encontrar na Europa um porto de abrigo: parece surreal, sublinhou o primeiro ministro de Malta, mas foi real. Constituiu-se uma task force para estudar a questão e propor um plano de acção a ser discutido na próxima Cimeira, em Dezembro; pelo caminho, ou a aguardar melhores dias, propostas para reforçar financeiramente o Frontex, para harmonizar a nível europeu os critérios de concessão de asilo – um velho problema da política europeia de Liberdade, Segurança e Justiça – ou para coordenar as políticas nacionais de imigração. Resta aguardar.
  • Do que não foi decidido para o que foi: o investimento na economia digital e a necessidade de medidas para adequar o respectivo quadro regulamentar. A importância de procurar colocar a Europa na vanguarda da comutação em nuvem. A promoção de um mercado digital único de fácil utilização para consumidores e empresas. E um compromisso, o de o realizar até 2015. Obstáculo? Justamente a fragmentação desse mercado no seu estado actual.

 E aproveitando este post, uma outra notícia:

  •  Rui Tavares, deputado europeu do grupo dos Verdes no Parlamento Europeu, foi recentemente responsável por um relatório da instituição sobre o estado (não muito saudável, segundo o referido documento) da democracia na Hungria. Há alguns dias (23 de Outubro) o Primeiro-Ministro Viktor Órban, num discurso público, dizia estar Rui Tavares a trabalhar contra a democracia no seu país. O primeiro-ministro húngaro até ironizou com o nome do português – Tavares -, parecido com Tovaris – camaradas -, tratamento dos militares no tempo do comunismo.

Conselho Europeu começa hoje

Para os mais distraídos, recordo que hoje começa o Conselho Europeu, na sua primeira reunião durante a Presidência lituana da União Europeia. Na agenda estão a economia digital, inovação e serviços, a competitividade, crescimento e emprego e a União Económica e Monetária.

 Os progressos na integração em matéria da zona euro estão naturalmente em cima da mesa, com uma tripla dimensão: a união bancária, o reforço da coordenação das políticas económicas e a dimensão social.

 A este propósito, aproveito para comentar o ruído – e as opiniões dos comentadores que criticam tudo e o seu contrário – a propósito das recentes declarações da chanceler Merkel sobre a importância de concentrar poderes em Bruxelas em troca de maior solidariedade e de soluções integradas para o bom funcionamento da zona euro: é que uma coisa, por definição, não vai sem a outra! Quem considera que a união monetária não funciona porque não foi dotada das regras e mecanismos adequados tem de considerar em consequência que para resolver essas (indiscutíveis) deficiências é indispensável que haja mais poderes postos em comum. O que não faz sentido é criticar as declarações de Merkel sem perceber (ou ignorando, o que será pior) que é exactamente isso que a senhora está a dizer. Eu sei que ela é alemã, que é a chanceler do país economicamente mais poderoso da Europa, que muitos lhe atribuem as culpas de tudo e de mais alguma coisa, mas convém não exagerar:  quando Merkel tem razão e abunda no sentido que muitos dos comentadores recomendam parece ilógico que esses mesmos comentadores a critiquem por isso…  

Ainda na agenda da Cimeira, a avaliação das questões relacionadas com o (des)emprego jovem e o que deverá ser feito para obviar a tão grande problema, o financiamento da economia em particular no que respeita às PMEs e a adequação da regulação.

 No que respeita à economia digital, os chefes de Estado e de governo dos 28 vão tratar da promoção de novos investimentos, de desenvolver um mercado único digital que seja amigo do consumidor e dos negócios e da melhoria das competências nesta matéria. Convém recordar que as compras on-line transnacionais e nomeadamente intra-europeias merecem cada vez mais a confiança dos consumidores (refere um estudo da Comissão de 2011 que mais de 94% das encomendas chegam a bom porto, ao contrário do que acontecia antes).

 E já agora (desculpem todos aqueles que dispensariam tal pormenorização), permito-me uma breve explicação sobre o … Conselho Europeu.

Trata-se da instituição europeia que define as orientações gerais e as prioridades políticas da União. Não é um legislador, mas exerce uma grande influência sobre, pelo menos, a instituição Conselho de Ministros, co-legislador com o Parlamento Europeu.

Presidido por Herman Van Rompuy, o Conselho Europeu é composto pelos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados­‑Membros, bem como pelo seu Presidente e pelo Presidente da Comissão. Reúne-se duas vezes por semestre, podendo também fazê-lo em sessões extraodinárias.

Em suma, trata-se de um instituição eminentemente intergovernamental, com grande importância no modelo de governação da União Europeia.

Notícias da semana sobre a União Europeia

Algumas notícias importantes ou que passaram despercebidas esta semana:

 A versão preliminar do acordo (entre Portugal e a União) para utilização dos fundos europeus a partir de 2014 foi enviada para Bruxelas na terça-feira desta semana. Este é o acordo que permitirá definir as orientações principais da utilização dos fundos, fundamentais para a gestão futura do quadro que determinará como e quando poderá Portugal beneficiar dos montantes adoptados no âmbito das perspectivas financeiras 2014-21. Estas ainda não foram aprovadas pelo Parlamento Europeu e só depois disso poderá o documento agora enviado por Portugal ser formalizado. O voto do Parlamento Europeu, previsto para o Outono, não está agendado para a sessão plenária que se inicia na segunda-feira, dia 21.

  • A vigilância da fronteira sul da União Europeia deverá iniciar-se, com a total operacionalidade do Eurosur, no dia 2 de Dezembro. Esta capacidade, no âmbito do novo sistema de vigilância das fronteiras europeu, permitirá também uma mais justa, humana e eficaz prevenção do terrível drama dos refugiados do Norte de África.
  • Os ministros das finanças europeus no Eurogrupo deram na reunião do dia 14 um voto de confiança a Portugal. Como acontece muitas vezes no futebol, esses votos são um sinal de ruptura iminente. Espera-se que não seja o caso, mas esta reunião também serviu para separar bem as águas entre Portugal, Irlanda, Espanha e Grécia. Digamos que Portugal fica na parte de baixo da tabela, para manter a linguagem futebolística: muito abaixo da Espanha que já anunciou que não quer ter mais nada a ver com a troika uma vez terminado (em breve) o programa de ajuda à banca; da Irlanda, que deverá beneficiar de um programa cautelar, a discutir já em Novembro; e acima da Grécia, a quem não será concedido (pelo menos em princípio) um novo haircut. E Portugal? Digamos que não lhe foi retirado o cartão amarelo… está sob vigilância; e o dinheiro desta tranche da ajuda só será entregue em Novembro.
  • E atenção: para a semana, dias 24 e 25, há Conselho Europeu.

Tribunal Constitucional: devem os responsáveis europeus estar calados?

É dos livros: em situações como a que vivemos é difícil permanecer construtivo e sereno.

 Vem isto a propósito das referências de alguns responsáveis europeus – a começar pelo Presidente da Comissão Europeia – sobre a crise portuguesa e o papel do Tribunal Constitucional. Muitas foram as vozes que em Portugal se manifestaram a criticar essa intromissão nos nossos assuntos internos. Também a senhora Lagarde e o FMI mereceram reparos.

 Correndo o risco de perder 90% dos leitores no final desta frase, parece-me natural que as instituições europeias se preocupem com o que se passa no nosso país; que, de alguma forma, tomem posição sobre aquilo que, de génese interna – também em domínios da chamada “alta” soberania, como no caso da Constituição e das suas normas -, tem consequências externas, nomeadamente na nossa integração europeia; já julgo que é ir longe de mais tentar influenciar decisões de instituições nacionais, embora compreenda a sua razão de ser.

 Para os 10% de leitores que ainda me seguem nesta parágrafo, recordo algo que a voracidade e inquietude dos tempos que correm tem obscurecido: a integração europeia é um bem comum aos 28 Estados-membros da União Europeia e nenhum deles é obrigado a permanecer nela; basta lembrar que já em 2015 o Reino Unido deverá colocar essa pertença a referendo. Mas enquanto existir um projecto comum, tudo o que se passa num país que tenha consequências para os outros deve ser objecto de preocupação, reflexão e opinião por parte das instituições europeias, que são responsáveis e guardiões do interesse comum. Já interferir nos processos democráticos internos é outra questão…

 Um brevíssimo comentário mais, antes de voltar ao tema central:

 A integração europeia visa objectivos simples e claros:

 A paz na Europa, assegurada há quase 70 anos entre os países que constituem a União, algo de inédito na História milenar deste continente – nunca aconteceu! É improvável que aconteça? Pois isso mesmo pensavam os europeus em 1914, imediatamente antes da 1ª Guerra (basta revisitar Stefan Sweig).  

 O segundo objectivo é o desenvolvimento económico e uma equilibrada repartição da riqueza; neste caso, a dúvida instalada nos últimos anos no espírito dos europeus despertou velhos demónios das democracias ocidentais. Por um lado, esquecemos que durante quase 40 anos a Europa viveu um extraordinário boom económico e alcançou um Estado de bem-estar raro (ou inédito) na História humana. É um facto que atravessamos uma crise – mas não atravessamos todos a mesma crise, nem ao mesmo tempo, nem com as mesmas consequências. Portugal tem de decidir se prefere enfrentar os ventos que o futuro traz sozinho, como fez tantas vezes no passado (com o indizível sofrimento que infelizmente muito se desconhece), ou prosseguir uma aventura colectiva que não está fadada ao sucesso mas de cujo sucesso depende o futuro do continente. É fácil e é só isso.

 Voltando aos comentários de responsáveis europeus sobre a actuação do Tribunal Constitucional: o momento em que estas declarações são feitas não é o mais adequado (entendendo eu embora porque são feitas neste momento). Em cima da apresentação de um orçamento duríssimo, essas palavras são sal grosso sobre a carne viva de uma nação que sofre. Deviam ter sido guardadas para outra altura, com mais recuo e maior possibilidade de serem entendidas.

 Entenda-se: no actual estado do país, ouve-se muito mais do que se escuta.

 É normal. Mas ao avaliar posições como as de Barroso, do representante da Comissão em Portugal (ao que dizem), de Lagarde, não devemos também partir do princípio que elas servem qualquer tipo de agressão, agenda maléfica ou menorização de Portugal; antes, que são uma parte do processo em que as acções de uns se repercutem na vida de outros, sendo que uns e outros estão (estamos) juntos no mesmo caminho.

I am Malala – Em defesa da Humanidade

Em defesa da Humanidade: é o mote que sublinha a atribuição do Prémio Sakharov deste ano à jovem paquistanesa Malala Yousafzai. O Prémio ser-lhe-á entregue no dia 20 de Novembro, no Parlamento Europeu em Estrasburgo.

 Há pouco mais de um ano, a jovem foi baleada na cabeça por ordem dos fundamentalistas islâmicos talibãs do seu país. Sobreviveu.

 Na passada quinta feira, dia 10 de Outubro de 2013, foi atribuído a Malala pelo Parlamento Europeu o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento 2013.

 No dia seguinte, Malala foi recebida por Obama na Casa Branca. O Presidente norte-americano elogiou a jovem pela inspiração que resulta do seu “trabalho apaixonado em favor da educação das jovens no Paquistão”. Malala Yousafzai respondeu-lhe agradecendo o apoio prestado pelos Estados Unidos à educação no seu país e também no Afeganistão. No encontro criticou também os ataques com drones que, na sua opinião, ao atingirem com frequência vítimas inocentes, contribuem para aumentar o ressentimento e o terrorismo. É preferível apostar ainda mais na educação, disse.

 I’m Malala, escreve no título do seu livro autobiográfico a jovem de 16 anos. Ao atribuir-lhe o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, o Parlamento Europeu coloca-a num patamar em que já estão personalidades tão ilustres como Nelson Mandela, Alexander Dubcek, Aung San Suu Kyi, As Mães da Praça de Maio (organização argentina), Xanana Gusmão, a ONU, (o dissidente chinês) Hu Jia, e os Activistas da Primavera Árabe, entre dezenas de outros premiados. E envia um recado simples ao Mundo, através deste que é hoje em dia, provavelmente, o segundo mais importante galardão global relativo a direitos humanos, logo a seguir ao Nobel da Paz:

 Nunca é cedo de mais, nunca é tarde de mais, para lutar pela dignidade humana, pela liberdade de pensamento e expressão, pela democracia e pela paz. E quem o faz em detrimento do seu conforto, com risco de vida ou de encarceramento, tortura ou isolamento, quem o faz em nome e por causa de outros, merece sem dúvida o reconhecimento da comunidade internacional, dos cidadãos do Mundo inteiro amantes da liberdade e do desenvolvimento harmonioso.

Martin Shulz, Presidente do Parlamento Europeu: “Ao atribuir o Prémio Sakharov a Malala Yousafzai, o Parlamento Europeu reconhece a força incrível desta jovem. Malala bate-se com coragem pelo direito de todas as crianças à educação, um direito que é frequentemente negligenciado em relação às raparigas “, referindo ainda que há no Mundo à volta de 250 milhões de jovens mulheres impedidas de frequentar a escola sem restrições.

Foi já há cinco anos, com apenas 11 de idade, que Malala Yousafzai, agora com 16 anos, fez o seu primeiro discurso público, que designou “Como se atrevem os talibã a retirar o meu direito básico à educação?” (Setembro de 2008). Estudante em Mingora, Paquistão, no distrito de Swat, a jovem sabia já então que desafiava o regime talibã local, que proibia as raparigas de ir à escola. Tendo todas as escolas femininas controladas pelos talibã sido encerradas no início de 2009, Malala lançou um blog em defesa do direito à educação. Em Outubro de 2012, conhecida a sua identidade, atiradores talibã atingiram-na a tiro na cabeça e pescoço, à saída do autocarro escolar.

Malala Yousafzai não desistiu. Malala Yousafzai não desistirá. E foi por isso que o Parlamento Europeu lhe atribuiu o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento.

Porque nunca é cedo de mais para lutar pela dignidade humana. Nem tarde de mais. E se a coragem tem um preço, como no seu caso, a coragem tem um valor que em muito excede esse preço.

Para mais informações, consultem o site:

http://www.europarl.europa.eu/news/pt/news-room/content/20131009IPR21810/html/Pr%C3%A9mio-Sakharov-2013-vai-para-jovem-paquistanesa-Malala-Yousafzai

Shulz indicado pelos socialistas europeus como candidato à Presidência da Comissão Europeia

É a primeira vez que um grupo político europeu – neste caso o dos Socialistas e Democratas Europeus -, indica formalmente um candidato ao cargo actualmente exercido por Durão Barroso. Qual a importância disso? É que o Tratado de Lisboa prevê que a proposta do Conselho Europeu do candidato a esse cargo tenha em conta as eleições para o Parlamento Europeu; note-se que o texto do artigo, que é o 17º nº 7 do Tratado da União Europeia, não fala de resultados, o que já foi interpretado por alguns como uma “habilidade” para permitir ao Conselho da União Europeia ter liberdade na suas propostas – não é, como veremos, uma falsa questão.

O que isto no fundo quer dizer é que, face aos resultados dessas eleições, que terão lugar em Maio de 2014, a personalidade a propor pelos membros do Conselho Europeu (os 28 Estados-membros) deverá sair do grupo político vencedor. Pode alegar-se (e não sem razão prática) que não pode ser de outra forma pelo facto do Parlamento Europeu ter de eleger o senhor ou senhora em questão por maioria dos seus membros. Não parecendo viável que essa eleição se possa fazer contra o grupo político vencedor, isso pode acontecer pela força coligada de outros grupos. Repito: não é viável, até tendo em vista a história da composição da instituição, mas é possível.

À proposta do Grupo Socialista Europeu deverá seguir-se a do PPE, Partido Popular Europeu (um passarinho soprou-me o nome do francês Michel Barnier, actual comissário europeu e vice-presidente do PPE). Ora, esta ou estas propostas, têm um significado político preciso, com diferentes dimensões:

Primeiro, fazer disputar as eleições europeias à luz dessas propostas e dos nomes apresentados. Imaginemos que os dois políticos referidos – Schulz, já indicado pelos socialistas e Barnier (ou outro qualquer, com igual peso) -, pelo menos, surgem à liça na campanha, cada um com as suas ideias para a Europa, a sua relevância político, a sua nacionalidade (da Alemanha, França ou de outro país qualquer), que tem indiscutível leitura política? As eleições europeias serão necessária e inevitavelmente diferentes de todas as outras já disputadas, em que, para além dos cabeças-de-lista dos partidos, sempre empenhados em querelas internas (nacionais), quase ninguém mais parecia dar à natureza europeia do escrutínio a importância merecida.

O segundo ponto respeita ao facto de dificilmente após as eleições o Conselho Europeu poderá deixar de propor um dos candidatos que os grupos políticos europeus tiverem indicado. Neste caso, diga-se de passagem, nem a possibilidade de haver uma espécie de coligação negativa me parece colher, pois o partido europeu/grupo político derrotado (isto é, o que não tiver a maioria dos votos dos europeus) não terá qualquer interesse em inviabilizar a candidatura do candidato do partido vencedor, sob pena de irremediavelmente se colocar em posição de lhe vir a acontecer o mesmo no futuro.

Finalmente, deste modo, evita-se aquele que tem sido o padrão em quase todas as escolhas do Presidente da Comissão Europeia desde o fim dos mandatos de Jacques Delors: um candidato de terceira ou quarta escolha, para evitar propostas difíceis de aceitar por uns ou por outros (Blair, recordam-se?). Note-se que não estou a criticar neste ponto Durão Barroso, que na minha opinião tem exercido com enorme dignidade e competência o cargo – sinceramente, gostava de ver quem o faria muito melhor nas actuais circunstâncias -, mas é um facto que a sua escolha, como a de Samper ou Prodi, foram sempre formas de contornar opções que sempre se revelariam… escolhos (e dificilmente passariam no escrutínio do Parlamento Europeu).

Pode pôr-se a questão de saber o que se poderá passar se um dos grupos políticos (relevantes no PE) não apresentar candidato. Por grupos relevantes entenda-se para já – até que a história futura decida de outra forma – aqueles que têm partilhado o poder na instituição, e que são essencialmente o PPE, os socialistas e os liberais, estes sobretudo como fiel da balança. Ora é porque apresentar um candidato faz sentido para aquilo a que me atrevo a chamar “a causa” dos grupos políticos europeus, por todas as razões acima referidas, que estou convencido que isso não acontecerá (e os S&D já deram o primeiro passo). Se acontecer, contudo, na pior das hipóteses não será pior do que até aqui… mas a democracia (e a legitimação da Europa, em tempos difíceis) ficam a perder.

Ah, e note-se, para embrulhar tudo isto, que a escolha do Conselho Europeu é feita por maioria qualificada, evitando bir… perdão, vetos mais ou menos decorrentes de personalizações ou ódios (salvo seja) pessoais, institucionais ou nacionais.

Em suma, a escolha a fazer pelos partidos políticos europeus tem a maior relevância. O nome até agora proposto, Martin Schuz, tornou-se já sem dúvida um peso pesado da política europeia, com um notável desempenho como Presidente do Parlamento Europeu. Aqui fica um breve bosquejo do curriculum deste alemão apreciado em vários países europeus pelo seu falar franco mas também pela forma inteligente como aborda os assuntos difíceis da governação e da crise no continente (depois, admita-se, de um começo titubeante):

Nasceu em Hehlrath na Alemanha a 20 de Dezembro de 1955, tem pois 58 anos (terá 60 no início do mandato da próxima Comissão). Foi livreiro, com livraria aberta em Würselen durante 12 anos. Iniciou a carreira política no Partido Social-Democrata alemão em 1974. Durante 11 anos, foi presidente de câmara na Renânia do Norte – Vestefália, o mais jovem presidente aí eleito (em 1986). Em 1994 chegou a deputado europeu e foi membro de várias comissões, líder dos deputados europeus do SPD e subsequentemente vice-presidente dos socialistas europeus. Em 2004, ascendeu a líder do grupo e, a 17 de Janeiro de 2012, a Presidente da instituição.

Para um CV mais desenvolvido:

http://www.europarl.europa.eu/the-president/en-pt/president/html/biography

Notícias da semana: Malala e Shulz

As duas notícias da semana – ambas oriundas ou relacionadas com o Parlamento Europeu – são sem dúvida a indicação de Martin Schulz para próximo Presidente da Comissão Europeia por parte dos Socialistas Europeus e a atribuição do prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento à muito jovem paquistanesa Malala Yousafzaï. Nos próximos dois post trato dos dois assuntos, com a brevidade que um blog deve ter e a profundidade que ambos merecem e sem qualquer precedência ou critério de importância.

(fotos: PE)

Malala

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Prémio Sakharov: dois dias para votar

Caros amigos

O vencedor do Prémio Sakharov será conhecido no Parlamento Europeu a 10 de Outubro. Participe e vote num dos candidatos nesta eleição informal entre todos nós. Recordo os candidatos:

Malala Yousafzai.  Muito jovem resistente contra os talibãs (tem 15 anos), que a balearam.

Edward Snowden. Denunciou o programa de vigilância em massa da NSA.

Ales Bialatski, Eduard Lobau e Mykola Statkevich. Dissidentes e resistentes bielorussos aprisionados.

Escolha uma das seguintes opções: comentário ao blog, resposta no facebook, mail para paulosande.gab@gmail.com ou preencha o formulário no blog (os dados “obrigatórios” podem ser fictícios, se preferirem – é só por o nome escolhido em comentário e enviar).

Obrigado por colaborarem!