EURATÓRIA

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A União nas nossas vidas (notícias da quinzena)

Nos dias que passam, os portugueses alheiam-se da Europa como se ela não fosse coisa sua. E contudo, é-o; muito do que se passa em Bruxelas, Estrasburgo ou noutro ponto do continente tem quase tanto a ver connosco –por vezes tem mais – do que muitas decisões tomadas no nosso país. Não se trata de retórica mas da realidade. Sem carácter exaustivo mas para ajudar a uma perspectiva abrangente do que está em causa, aqui deixo uma pequena lista de iniciativas, discussões e decisões tomadas nos últimos dias, com consequências relevantes para Portugal:

  • A crise política em curso (e, espera-se, em vias de conclusão), deixou claro: que o regresso do nosso país aos mercados depende da sua credibilidade no exterior; que essa credibilidade foi abalada mas não destruída (ainda que os sinais que acompanharam a crise dêem ideia das consequências devastadoras de uma instabilidade prolongada); e que está em preparação, provavelmente há algum tempo, um regresso do país aos mercados com apoio da União Europeia (não da troika). Será em princípio usado o Mecanismo Europeu de Estabilidade, garantindo a Portugal os financiamentos de que precisa sem onerar em excesso as contas públicas (isto é, sem que os juros a pagar ultrapassem o razoável). Mas para isso, disseram-no mais ou menos expressamente os líderes do eurogrupo, importa salvaguardar a credibilidade. Atenção: não será um (segundo) resgate.
  • O Parlamento Europeu aprovou novas regras sobre livre circulação no espaço sem fronteiras europeu (Schengen): prevê-se a possibilidade de reinstalação de controlos temporários nas fronteiras nacionais em situações excepcionais.
  • Aprovadas na generalidade as grandes linhas das perspectivas financeiras para a União 2014-20 e, em particular, para a agricultura. Portugal receberá 8,1 mil milhões de euros, dos quais 3,6 mil milhões destinados ao desenvolvimento rural (500 milhões isentos de co-financiamento). A aprovação formal pelo Parlamento Europeu do quadro financeiro plurianual só deverá ter lugar em Setembro.
  • Portugal votou no Comité para a Cadeia Alimentar e Saúde Animal da UE a favor da introdução de polifosfatos no bacalhau. França e Croácia, recém-chegada ao clube europeu, votaram contra. Os polifosfatos retêm a humidade, pelo que a tradicional secagem portuguesa será mais demorada. Portugal, contudo, obteve medidas excepcionais que permitem a comercialização do peixe no nosso país sem a junção daqueles químicos.
  • O Comissário Europeu da Concorrência, Joaquin Almunia, disse que Portugal poderá ter mais tempo para se explicar na investigação da Comissão sobre as ajudas públicas aos estaleiros de Viana do Castelo. Tais ajudas podem ser justificadas através de um projecto de reestruturação da empresa (que o governo ainda não apresentou). Se Portugal for condenado, será obrigado a devolver essas verbas (de 181 milhões de euros)…
  • Parlamento Europeu e Conselho Europeu aprovaram a adesão da Letónia ao euro, o que deverá acontecer no dia 1 de Janeiro de 2014; apesar da crise…
  • E a proposta da Comissão sobre o mecanismo de resolução de bancos em dificuldades será apresentada esta semana…

CROÁCIA

Nestes dias de crise, económica, política e social, não posso deixar de assinalar a adesão do 28º membro da União Europeia. O que leva algum país a querer aderir à União numa fase tão difícil para esta e quando o apelo do processo europeu parece desvanecer-se um pouco mais a cada dia que passa?

  Imagem1

 

Publicado a 4 de Julho no site presseurop (cartoon de Stphff – Stephane Peray)

Nas cerimónias que celebraram a adesão do país não esteve presente a chanceler Merkel, no que foi visto por muitos como uma desconsideração para um país que esperou dez anos por esta data e que, sob muitos pontos de vista, mostrou sempre grande abertura para com os interesses alemães. Muitos outros comentários foram negativos: sobre o crescente desinteresse dos croatas, a indiferença dos seus novos parceiros, o risco económico…

A Croácia é o segundo país da antiga Jugoslávia a fazer parte do clube europeu, depois da Eslovénia. E ao contrário do que seria desejável, a saúde económica não é a melhor: com uma estimativa de 20% de desemprego e após 5 anos consecutivos de recessão, a Croácia arrisca-se a ser mais um “doente” europeu, à semelhança da generalidade dos países do sul e da própria Eslovénia. Ao mesmo tempo, a entrada no mercado interno e na zona de livre circulação de pessoas representa para os croatas a esperança de acesso a um espaço alargado de oportunidades bem como a garantia dos valores e segurança proporcionados pela União Europeia, prémio Nobel da Paz.

Este é o sétimo alargamento da “velhinha” Comunidade Europeia, fundada nos já longínquos anos 50 do século XX:

Primeiro, aos seis fundadores – Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo -, juntaram-se Dinamarca, Irlanda e Reino Unido (em 1973). Reunia-se assim o núcleo fundamental da Europa que fizera a guerra, a oeste da “cortina de ferro”.

Seguiu-se um trio, em períodos diferentes mas com um sinal comum: o alargamento a sul; Grécia primeiro (1981), seguida de Espanha e Portugal (1986), assinalaram a consolidação dos seus regimes democráticos, gravados na pedra dos tratados de adesão.

Veio depois um alargamento “rico” – o único, diga-se de passagem – à Áustria, Finlândia e Suécia – que de algum modo corrigiu a ausência da primeira da fase inicial da construção europeia e empurrou o processo europeu para Norte (1995).  

O grande alargamento, com a adesão de 12 novos países, ocorreu entre 2004 e 2007,  em duas fases: Chipre, Eslovénia, Eslováquia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, República Checa entraram primeiro, Bulgária e Roménia três anos depois. Com a excepção das ilhas mediterránicas, com o seu simbolismo próprio, tratou-se da grande consagração, formal e simbólica a um tempo, da queda do Muro ocorrida quase duas décadas antes, e do advento de uma nova era, a do acesso dos países de leste à democracia e à economia de mercado. Claro que, para muitos comunitaristas e comentadores, este foi também o “passo maior que a perna” dado pela União, por razões aliás intrinsecamente ligadas às agendas políticas de alguns países europeus, ansiosos por alargar o seu círculo de influência. Talvez fosse… mas estava dado.

 27 países. Países a mais? Possivelmente. E, também, um aumento substancial do desequilíbrio interno da União, entre países ricos e pobres – nunca o fosso fora tão grande, ainda por cima em tempos de vacas magras (bem, ainda não o eram mas não tardariam a sê-lo… infelizmente).

Com a adesão da Croácia são já 28 os Estados-membros da União Europeia. Talvez seja excessivo. E são ainda candidatos oficiais à adesão a Islândia, a Macedónia, Montenegro, Sérvia e Turquia. E ainda não o são mas aspiram a sê-lo Albânia, Bósnia-Herzegovina, com outros potenciais candidatos a espreitar os vizinhos, indecisos sobre o rumo a tomar.

 Afinal, que mistério é este? Como é possível que um projecto político como o europeu, que tantos gostam de dizer doente, moribundo, já morto, continue a atrair tantos povos e Estados? A resposta é simples: a União ainda tem sedução e representa uma via clara e possível para assegurar estabilidade política e uma solução económica viável. Fora dela, a única proposta é a do passado, de um passado que quase nenhum dos povos referidos aspira a habitar.

 Esta é a grande questão que assola o espírito europeu: saber que caminho existe hoje para um continente em declínio, demográfica e economicamente, que já dominou o Mundo e hoje se confronta com uma globalização inelutável e com o advento dos povos antes subjugados do planeta. Como sobreviver à vaga de um futuro de inovação e competitividade que os europeus já não controlam sem colocar em comum recursos, partilhar riscos e objectivos (sim, também mutualizar dívida)?

 A resposta existente chama-se União Europeia. Pode haver outras, claro, mais eficazes, eficientes e sedutoras. Ou não. Mas se as há, é bom que alguém lhes dê nome e substância. Porque só dizer mal e ver o lado mau das coisas não leva a lado nenhum, não leva, sobretudo, a qualquer alternativa válida.

Até lá continuará a haver candidatos à adesão e muito poucos (nenhum?) desistente…