Dia da Europa: tudo vale a pena…
9 de Maio de 1950: o ministro Robert Schuman, francês apesar do nome, apresentou no Qai d’Orsay (ministério dos negócios estrangeiros francês), em Paris, um plano que ficou na História: o da criação de um mercado comum europeu – na verdade, viria a ser apenas entre 6 países – para a produção e comercialização do carvão e do aço. Foi o embrião da futura Comunidade Europeia, hoje União Europeia.
A leitura do seu discurso teve lugar na “sala do relógio”: subliminarmente, simbolicamente, fica a mensagem: está na Hora, Europa.
- Está na Hora de deixar de lado os ódios e as rivalidades seculares, que regularmente, com enorme regularidade, ensanguentaram os campos e cidades do velho continente, o maior campo de batalha do Mundo desde que há na Memória registo de Homem…
- Está na Hora de encarar as nossas fraquezas e incapacidades num Mundo que (então) se prepara para a libertação dos povos oprimidos do Planeta, dos colonizados e explorados de todos os quadrantes, um Mundo em que os países ricos do Ocidente se verão (paulatina e gradualmente) suplantados pelos antigamente subordinados, que se designarão “em desenvolvimento” (primeiro), emergentes (depois)…
- Está na Hora da generosidade, de partilhar recursos e pôr em comum riquezas, Hora da generosidade e da solidariedade, está na Hora de um povo que dominou a Terra – o povo europeu – se libertar das grilhetas do egoísmo e recusar a lenta, inexorável e dolorosa descida aos abismos que sempre acarreta a perda do domínio, o fim da influência, o desmoronar do Império…
- Está na Hora de confortar as mães que choram os filhos perdidos, de confortar os filhos órfãos de pais metralhados, de confortar as mulheres infelizes de maridos por bala trespassados de mortalha amortalhados – os que “jazem mortos e apodrecem” -, na Hora de fazer da Europa, como clamou Almada, uma pessoa civilizada…
- Está na Hora de dizer aos Europeus que tenham orgulho e sejam orgulhosos da sua obra, frágil, friável e discutível como obra humana que é, mas sobretudo que tenham orgulho da sua condição de Homens e Mulheres do Ocidente onde civilizações se acrisolaram e as vias do largo Mundo se esboçaram.
- Está na Hora da União…
para que valha a pena; porque a alma europeia, a alma de uma civilização tão mais que milenar, não pode ser pequena…
como não podem ser pequenos os europeus de agora, políticos e empresários, artistas e intelectuais, os pequenos indivíduos que se agitam nas pequenas cortes nacionais contemporâneas,
não podem ser pequenos os cidadãos do asiático cabo do Mundo a que chamamos Europa
não somos pequenos, afinal, todos nós, portugueses de aqui, europeus do Mundo.
De volta e às voltas com a legitimidade das instituições europeias
Quem se der ao trabalho de ler, ouvir e pensar sobre a União Europeia encontrará certamente – e mais cedo do que mais tarde – alguém a clamar com a certeza dos justos, que a União é uma construção que falhará pois não tem legitimidade para fazer o que faz. Será assim?
Antes de mais, será útil definirmos do que falamos quando falamos em legitimidade, já que não faltam ideias, teses, explicações ou debates sobre o conceito. Não sendo este o lugar para uma longa resenha cientifica nem ser esse o objectivo destas linhas, limito-me a dizer o óbvio: legitimidade é a percepção aceite pela maioria que alguém ou alguma instituição pode tomar decisões que obedecemos mesmo quando não concordamos com a decisão concreta que foi tomada. Na minha infância, os meus pais tinham legitimidade para me mandarem para a cama mesmo quando eu queria ficar acordado; na minha vida profissional, o Estado tem legitimidade para cobrar impostos sobre o meu trabalho mesmo quando eu tenha dúvidas sobre a sua eficácia em utiliza-los; etc.
Assim sendo, onde está a fonte de legitimidade da União Europeia? Porque é que obedecemos às regras e à decisões da União mesmo quando discordamos? Para responder, devemos olhar para o papel e a organização das principais instituições da União Europeia: o Parlamento Europeu; o Conselho e a Comissão Europeia.
Antes convém lembrar que a União é uma organização internacional peculiar, pois tem poderes e instituições únicas. Nomeadamente, a União é a única organização internacional que tem um Parlamento (o Parlamento Europeu) eleito directamente pelos cidadãos e que tem um órgão executivo (a Comissão Europeia) que é formalmente independente dos Estados membros. É também uma organização complexa pois tem poderes para impor legislação mesmo contra a vontade de alguns dos seus membros, o que obriga a uma arquitetura institucional inovadora para garantir que todos os Estados – grandes e pequenos; marítimos e continentais; ricos e menos ricos, etc. – tenham capacidade de influenciar o resultado final.
Se olharmos para a composição e poderes de cada uma das instituições, veremos que estes estão intimamente ligados à fonte da respectiva legitimidade. Assim:
– O Conselho, composto pelos representantes dos Estados membros, é o principal órgão de decisão da União Europeia e vai buscar a sua legitimidade à fonte mais tradicional das Relações Internacionais e fonte de legitimidade de todas as organizações internacionais existentes: os Estados. Ou seja, não reconhecer a legitimidade do Conselho é não reconhecer a legitimidade de toda e qualquer organização internacional existente.
– O Parlamento Europeu, composto por representantes eleitos dos cidadão europeus, é uma inovação democrática da União Europeia, pois nenhuma outra organização internacional permite uma representação direta dos cidadãos. Tratando-se de um Parlamento eleito mas relativamente novo, o PE tem vindo a conquistar o seu papel de co-decisor e, com o passar dos anos, tem se tornado cada vez mais poderoso. Como é óbvio, o Parlamento Europeu vai buscar a sua legitimidade ao voto direto, universal, secreto e periódico das pessoas que representa e negá-la é negar a legitimidade das escolhas democráticas.
– A Comissão Europeia é, de todas as instituições da União, a mais original pois é a única que pode dar inicio a legislação que, se aprovada pelo Conselho e pelo Parlamento, transforma-se em lei comunitária. Note-se que a Comissão não decide nada mas nada se inicia sem a Comissão o fazer e, outras das originalidades da União Europeia, a Comissão é completamente independente dos Estados e estes não podem obriga-la a iniciar – ou suspender – uma proposta de legislação. De onde vem a legitimidade da Comissão para iniciar a seu bel-prazer a legislação que poderá, se aprovada, vincular os Estados e os cidadãos? A resposta encontra-se nos Tratados europeus. Ou seja, os Estados concordaram em criar legislação internacional que atribui à Comissão o direito de iniciar legislação e garante a sua independência. Por outras palavras, a legitimidade da Comissão está na lei, a mesma fonte da legitimidade do Banco de Portugal ou outra qualquer organização nacional independente.
Se a questão da legitimidade passada e presente das instituições está formalmente resolvida, podemos colocar a questão da legitimidade futura do Conselho e da Comissão, pois se formalmente nada se alterou, a prática percebida do processo de tomada de decisão tem vindo a modificar-se de forma substantiva. Por um lado, o papel predominante de alguns Estados em detrimento dos outros e a crescente submissão da Comissão em relação ao Conselho pode levantar sérias e importantes questões sobre a legitimidade do processo de decisão e, portanto, das instituições e da União.
A questão da legitimidade das instituições é recorrente no debate da União e ainda bem que assim é. Sem legitimidade não há sistema político e administrativo que sobrevivam numa sociedade livre e democrática e embora a arquitectura institucional da União tenha resolvido de forma imaginativa a dificuldade de reunir numa organização original um conjunto cada vez maior de Estados, as recentes práticas podem vir a enfraquecer o edifício que levou tantos anos a construir e que é uma das mais interessantes construções institucionais humanas que há memória, responsável por ajudar a manter a paz e a prosperidade no continente por mais de 50 anos.
Esperemos que as dúvidas na prática e funcionamento sejam passageiras.
Bernardo Ivo Cruz
O meu convidado: Bernardo Ivo Cruz
Como apresentar o Bernardo Ivo Cruz? Começando naturalmente por referir que é meu amigo, mas ça va de soi, pois só amigos têm a bondade de me fornecer euratórias, ainda por cima da qualidade da que hoje publico (ou “pósto”, como preferirem). O Bernardo, como soe dizer-se, é um valor seguro: competente, disponível, fiável e empenhado, ainda relativamente jovem (a bem dizer toda a gente me começa a parecer jovem, mas no seu caso é-o de facto, de corpo e espírito), já percorreu Mundo. Tem Mundo. Trabalhou cá e lá (em Londres, Brasil, Timor-leste, inter alia). Foi professor universitário, representante de instituições públicas portuguesas, “vendeu” (e bem) empresas e negócios portugueses, privou com figuras públicas e privadas; dedicou-se, investigando e escrevendo, a temas cuja actualidade não carece de demonstração, como a União Europeia (foi até secretário-geral do Movimento Europeu em Portugal) e a legitimidade das instituições democráticas; lançou pontes para o Mundo e nessa engenharia – de obras de arte – desenvolve actualmente a sua actividade, com engenho e perseverança, com empresa própria, a traçar, sobre continentes e os Oceanos que os separam, caminhos de união entre empresas e pessoas. O Bernardo é um apaixonado por política, por motos e por uma única mulher, que é (desculpem o lugar comum, mas há lugares que de tão comuns se tornam excepcionais) o seu pilar. Termino, como comecei: o Bernardo Ivo Cruz? É meu amigo.
Duas visões do mesma realidade (ou o contrário)?
Dois líderes nacionais (e europeus) no seu melhor…
(com a devida vénia ao meu amigo ASB, que me fez chegar esta maravilha)
Um debate sobre o euro: love it or leave it?
A decorrer no facebook, entre mim e o meu irmão (cujo mestrado em políticas europeias foi recentemente concluído com brilhantismo), como resposta ao post Em defesa do euro:

Quer queiram quer não os defensores acérrimos do Euro porque não vislumbram UE sem Euro, como se a Comunidade não fosse já uma realidade anterior à última fase da União Monetária e Económica, a assimetria nas condições de financiamento continua a consolidar-se na zona euro, com a Alemanha e a França a conseguirem financiar o seu endividamento a 10 anos a taxas inferiores a 2%.
Obviamente que um argumento com esta “latitude”, poderia ser ele próprio um argumento para a necessidade ingente de novo passo em frente. O problema que se coloca, no entanto, é que desde que a unanimidade e a dimensão da União se colocaram, a tendência do processo decisório parece ir no sentido da concentração decisória polar e não da dispersão pelo consenso. Muito à medida da concentração da prosperidade e da não convergência, esse elemento central para a abdicação da soberania. E não nos esqueçamos que a União foi construída não só na ideia de paz mas também da prosperidade: e nem um, nem outro, destes elementos da “Visão” europeia sobrevive sem essa parceria.
«A hierarquia descendente de níveis de yields das obrigações soberanas a 10 anos é a seguinte entre os países “periféricos” do euro: 10,28% para a Grécia; 5,92% para Eslovénia; 5,66% para Maravilhas De Portugal Portugalgal; 4,04% para Espanha; 3,76% para Itália; e 3,5% para a Irlanda.»See Translation

Claro que já havia Comunidade Europeia antes do euro. Mas claro, também, que a Comunidade Europeia sem o euro não lograva criar o verdadeiro mercado interno que sempre esteve no âmago da construção europeia (como projecto, objectivo e visão). E claro, também, que um mercado comum sem mercado interno não é um mercado verdadeiramente comum. E uma Comunidade Económica Europeia sem mercado verdadeiramente comum não é uma Comunidade Económica Europeia. E é por tudo isso, claro, que os defensores do euro não vislumbram uma UE sem euro. Claro que nada disto é claro para os que pretendem uma UE sem euro. Porque é claro que assim que o euro desaparecesse (mas não vai desaparecer), a UE tornaria de imediato a tentar encontrar soluções (de política ou “construção” monetária) para fazer funcionar o mercado interno: serpentes no túnel, mecanismos de controlo de taxas de câmbio, sistemas monetários… claro. Como é que sei? Porque foi exactamente isso que aconteceu desde o início da implementação do mercado comum…


O caminho para o desastre ou a frase de Schulz
Martin Schulz, Presidente do Parlamento Europeu e deputado europeu do grupo dos socialistas europeus (S&D) participou no congresso do PS e fez uma afirmação que, não sendo original, é importante por ter sido dita por quem foi (e quando foi):
“Queremos uma Alemanha europeia e não uma Europa alemã”.
Para quem não sabe, lembro que Martin Schulz, para além de Presidente da instituição representativa dos europeus no contexto da União Europeia, é um candidato (ou, pelo menos, aspira a sê-lo) ao cargo hoje ocupado pelo nosso compatriota Durão Barroso. Além disso, é alemão de nacionalidade. A frase, independentemente do seu efeito (foi citada num semanário português), tem sobretudo um significado: o de assinalar a todos – no caso em apreço aos portugueses – que os alemães estão conscientes da sua imagem no resto da Europa; ou pelo menos que, para alguns alemães, isso representa um problema.
E é também isso que os restantes europeus têm de aproveitar: a incomodidade alemã com a sua imagem e reputação no Mundo e em particular a forma como são percebidos pelos povos da União. Alguns dirão que isso não os preocupa nada e que só os seus interesses contam. Pois não creio: no tempo das redes sociais e da comunicação instantânea, a memória histórica – e sobretudo a mais recente – está demasiado presente para que seja possível ignorar… para que lhes seja possível ignorar.
Como a nós aliás, que também não esquecemos os horrores das ditaduras e da miséria em que Portugal viveu anos demais, à Europa, aos alemães europeus e aos outros , a história ensina que a repetição dos erros não faz deles menos erros… e que errar repetidamente não é um sinal de inteligência.
E quanto ao futuro, que é já ali ao virar da esquina, parece óbvio que uma Europa unida e coesa tem muito mais possibilidades de sucesso do que uma miríade de pequenos Estados-nação à compita por um lugar ao sol, dilacerando-se em desvalorizações sucessivas, protegidos entre si por pautas alfandegárias usadas como os canhões de outrora, sem escala de mercado que sustente o esforço produtivo respectivo.
Road to disaster?