Como referi, a União Europeia debate-se com um (mais um) problema: não foram aprovadas as perspectivas financeiras que definirão, entre 2013 e 2020, o total de despesas a fazer nas mais variadas políticas europeias.
E porquê? Porque o acordo a que os líderes dos Estados-membros chegaram reduz o limite das despesas, pela primeira vez na história do planeamento financeiro da União (isto é, desde 1988). E porque o Parlamento Europeu considerou que a proposta em causa não promove o crescimento.
Porquê estes cortes e porquê esta pressão? Porque os referidos líderes consideram que a austeridade e contenção a nível da generalidade dos Estados membros deve ser replicada ao nível da União. E isso faria todo o sentido se não se estivesse a comparar alhos com bugalhos ou, talvez, o transiberiano com a linha de cascais.
E porquê? Porque 98% da despesa pública na Europa – de 6 biliões 103 mil milhões € em 2011 (dados do Eurostat ) – é da responsabilidade dos Estados nacionais, sendo apenas 2% a da União. Noutras federações, como os EUA (63%) ou o Canadá (37%), a situação é bem diferente; e mesmo retirando a protecção social e a saúde, a despesa comunitária não ultrapassa 3,5%! Além do mais (e o mais é já bastante), cerca de 76% do orçamento europeu é gerido por autoridades nacionais e regionais, só 22% pelas instituições da UE (2% de OI’s e países terceiros). Finalmente, com estas perspectivas financeiras o orçamento da EU não ultrapassa 1% do PIB europeu!
Porquê então? A resposta é simples: não se trata de gastar mais ou menos, mas de gastar melhor. O valor acrescentado das políticas europeias e da despesa gerada e gerida pela União resulta justamente da superação das ineficiências resultantes das divisões, da duplicação de custos, do desaproveitamento de sinergias, da escala. Aumentar os recursos comuns permitirá compensar, com evidente vantagem, a redução das despesas públicas assumidas pelos Estados. Será (ou seria) uma clara aposta no crescimento. Diminuir a despesa pública nacional e europeia, em simultâneo, é sem dúvida uma péssima ideia.
Porquê então este discurso radicalizado? Pela mesma razão porque, noutras ocasiões e noutros Tratados, as soluções são em geral as menos eficientes, as mais complicadas, resultantes de uma visão demagógica: é o caso bem na ordem do dia da arquitectura da união monetária gizada nas negociações para o Tratado de Maastricht. Quem hoje não proclama ter sido um erro, e que “se estava mesmo a ver”? Num escrito recente em que justamente invoca o caso da criação do euro, António Vitorino considera o processo de negociações que levaram ao projecto da moeda única um “elemento precioso” para…
“… aferir das limitações específicas dos acordos entre Estados e dos constrangimentos que a sua natureza política impõe, mesmo para além da pureza das análises racionais. Esta reflexão sobre os limites da política é particularmente importante quando se trata de aferir, como ocorre actualmente, o bem fundado das soluções encontradas na resposta à crise. Na realidade, os decisores políticos europeus, com especial destaque para os representantes dos Estados Membros da EU, são chamados a encontrar respostas comuns que, correspondendo ao projecto político do todo, sejam susceptíveis de serem aceites pelos cidadãos (ia a escrever… eleitores) de cada um desses Estados”. E se os eleit… perdão, os cidadãos de cada Estado estão confrontados com cortes profundos nos seus rendimentos e orçamentos nacionais, então o mais fácil é oferecer-lhes, à laia de compensação (?), a redução das despesas europeias. Mais difícil seria sem dúvida propor aumentar os recursos da União. Apesar de ser mais eficiente e positivo para os europeus.
Porquê então? Se calhar, porque ainda não chegou o tempo da clarividência, que é como quem diz, da União. Ou porque a natureza humana seja mesmo assim, privilegiando o fácil e rejeitando o que custa mais a implementar, preferindo o óbvio ao menos evidente. Ou talvez, simplesmente, porque é essa a natureza das coisas e o futuro segue por caminhos imprevistos.
Já volto ao assunto…