No Jornal de Negócios do dia 21 a jornalista Eva Gaspar – que, para além de bem informada, foi correspondente em Bruxelas e conhece por dentro a realidade europeia – escreve um artigo que de forma (bastante) lapidar, resume a questão cipriota.
Resumindo muito resumido:
Chipre precisa de 17 mil milhões de euros para salvar os seus dois grandes e comatosos bancos, Bank of Cyprus e Laiki, e também para continuar a funcionar como Estado. A Europa e o FMI (a troika, enfim) propõem-se emprestar 10 mil milhões mas não a totalidade daquele valor, para evitar que a dívida pública cipriota passe de cerca de 80% do produto (PIB) do país para mais do dobro, uma dívida impossível de pagar. Assim como se se dissesse: preparem-se todos (credores actuais e futuros) para perder muito dinheiro e preparem-se todos (cidadãos dos países da União) para pagar esse dinheiro que todos (credores actuais e futuros) vão perder.
No âmbito da ajuda de emergência ao Chipre, e para evitar essa catástrofe, a União e o FMI (a troika) exigiram que o país gerasse por si próprio a diferença entre os 10 e os 17 mil milhões. São 5800 milhões, já descontadas algumas receitas mais pacíficas, tendo a União e o FMI (a troika) aprovado uma solução que libertou os ventos da ira na Europa (e no Mundo) – o célebre “confisco” dos depósitos.
O Parlamento cipriota rejeitou a proposta, e fez muito bem, pois é para isso que servem os parlamentos e é para isso que servem as soberanias nacionais. E a União e o FMI (a troika) disseram ao Chipre: ok, digam lá então como querem resolver o problema. Ao Chipre, e tendo em conta que o país não tem capacidade de sobrevivência sem financiamentos adicionais, sobram 3 soluções:
– Encontrar financiadores externos, já que internamente não parece haver recursos, sendo a Rússia aparentemente o único disponível (e dando de barato que os russos já parecem ter-se desvinculado do seu papel de salvadores do pequena ilha que tem servido de caixa forte a tantos dos seus cidadãos);
– Renegociar uma solução com a União e o FMI (a troika, a não ser que, como a Eva Gaspar refere, o FMI “salte fora”), havendo já sinais relacionados com a privatização de fundos de pensões e uma eventual tributação dos impostos acima dos 100 mil euros;
– Sair do euro… o que seria, afirma Willam Buiter, economista chefe do Citigroup e antigo economista do Banco de Inglaterra, um “desastre”, com “a qualidade de vida (da população a reduzir-se) a níveis nunca vistos em 30 anos”, limpando “a poupança e a riqueza do aforrador cipriota”, ou seja “uma catástrofe financeira”.
Nenhuma solução é a ideal. Mas da disparatada tomada de decisão europeia – que só prova o risco da entrega aos Estados, na forma intergovernamental, de um processo de decisão que deveria ser institucional e de acordo com o método comunitário tradicional – alguma coisa de bom ainda pode surgir: a noção clara de que cabe aos Estados-membros, e só a eles, encontrar soluções para os seus problemas, mesmo que seja para apresentar aos parceiros a melhor forma destes os ajudarem.
Claro que isto também dilui um pouco o papel de vilã, ultimamente tão generosamente atribuído à troika (União e FMI). Não sei se isso convém a toda a gente…