A Europa, leia-se a União Europeia (EU), está em risco?
É indiscutível. Cresce, um pouco por todo o continente, um sentimento de revolta contra o que é, genericamente, classificado como “austeridade”. E nada pode ser feito contra a vontade da maioria das pessoas, por muito iluminados que sejam os iluminados que nos governam, como aliás aprenderam à sua custa todos aqueles que no passado pensaram brilhar um pouco mais do que os outros.
O que está a suceder na Europa, leia-se UE, contudo, tem uma causa completamente distinta da que muitos julgam ser a causa do que está a suceder na Europa: e é a forma como o método comunitário tem vindo a ser substituído, no processo de decisão sobre o que verdadeiramente importa, pelas decisões tomadas pela unanimidade dos Estados que compõem a União, isto é, pelo método “intergovernamental”.
O que é o método comunitário? Simplificando tanto quanto simplificar se pode:
– É o método dos pequenos passos, da adopção progressiva das políticas necessárias à integração europeia e ao interesse consensualizado dos seus povos. É um método em que as decisões relevantes são crescentemente tomadas por maioria, libertando-se do peso do veto que consigo transporta a paralisia. E é um método em que um conjunto de instituições organizadas num sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”), que equilibra os poderes em presença, tem a capacidade de decidir o que verdadeiramente importa decidir. Com legitimidade.
O que acontece quando acontece o que está a acontecer na Europa, leia-se UE? Recordo do que se trata: o Conselho Europeu reúne as vezes que for preciso, formal ou informalmente, ou instrui o Conselho Ecofin (economia e finanças), ou o Eurogrupo (grupo de países do euro), subtraindo o que de mais importante deve ser decidido à tutela das restantes instituições europeias, seja a Comissão Europeia, seja o Parlamento Europeu (sem falar do Tribunal).
As decisões resultantes deste método são de dois tipos: ou aquilo que todos e cada um, por unanimidade, estão dispostos a aceitar, um menor denominador comum que em nada resolve os problemas; ou então, a imposição da vontade de um ou mais Estados com o poder de resolver o que está em causa, pela sua força económica ou política, configurando um directório ou até o domínio de um país em particular e desvirtuando completamente o que deve ser a construção europeia (isto é, um jogo de soma positiva para todos os parceiros).
A decisão relativa ao Chipre é um bom exemplo de como a Europa não pode adoptar medidas com base na política do diktat intergovernamental. E não pode sob pena de alienar o que resta do apoio popular. E se a Europa, leia-se a UE, soçobrar, quando todos perceberem a importância da organização para a estabilidade e o bem-estar dos povos europeus será tarde de mais.
Em suma, a solução para a Europa passa por mais e não menos integração. Passa pelo regresso urgente ao método comunitário e não pela imposição unânime de soluções que remetem para um passado de conflito.
O Finlandês Olli Rehn, o Holandês Jeroen Dijsselbloem e os Alemães Wolfgang Schauble e Jorg Asmussen são a cada vez mais assumida face de uma mittleuropa, de uma espécie de «mittlogrupo» e não de um verdadeiro e democrático eurogrupo que assuma os interesses de todos os seus «associados»
«Mittlogrupo» que está a destruir o projeto europeu com as suas pressões «incríveis», como refere e assume Schauble à comunicação social alemã sobre as recentes conversações? Cipriotas – mais soando a chantagem e imposição unívoca de ponto de vista.
Imposição de ponto de vista destruidor de todas os princípios que enformam a UE – a solidariedade, a subsidiariedade, a lealdade comunitária, …
A mittleuropa ideológica que se apropriou antidemocraticamente do projeto europeu, destrói o projeto europeu, através do euro e do «rapto» da intergovernamentalidade do «ponto» alemão. O eixo «Berlim-Paris» agora substituído pelo «ponto» alemão, tenta impor à europa o domínio do seu «marco-euro» com decisões insensatas e pouco democráticas no seio de um «clube», mais do que numa família com laivos autocrático, gerando efeitos destrutivos na confiança necessária a qualquer sistema financeiro de qualquer espaço monetário.
O egoísmo alemão – neste caso há quem pense que a questão cipriota é mais uma questão de geopolítica – vai matando aos poucos o ideal da convergência europeia, porque mostra (cada vez mais) às soberanias quem capturaria, e que interesses estariam por detrás de uma deformada (ou dificilmente bem formada federação europeia onde o princípio da paridade independente da dimensão fosse assegurado) federação europeia.
Parecendo aparentemente, assim, que a solução europeia é a federalização (sem a contaminação dos interesses dos mais fortes que prosseguiriam sempre o objetivo inconfessável de impor o seu modelo) de molde a contrariar a atual crescente governamentalização – facilmente apropriável por um norte economicamente mais forte e onde o livro de cheques e o poder do número da cidadania soberana continua a dominar as relações da «sociedade» mundial, mesmo daquela que se tenta «tornar comunidade» – a atual crise europeia demonstra mais uma vez a dificuldade de criar uma verdadeira comunidade quando no seu interior falta o cimento dos valores principais de qualquer comunidade: a solidariedade e o desprendimento, princípios muito mais franciscanos e muito menos luteranos.