Por: Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista
Desde há muito – em concreto, desde que surgiu a EFTA e Portugal, surpreendentemente, foi dela membro fundador – que sou um europeísta convicto. Mas hoje sou também um europeísta desiludido.
Não estão em causa a excepcional qualidade, a ambição e a originalidade do projecto europeu, encarnado pela União Europeia e, antes, pela Comunidade Económica Europeia. O que me preocupa é que esse projecto interessa cada vez menos aos europeus.
Há mudanças na situação política mundial que explicam, em parte, o crescente desinteresse pela integração europeia. Acabou a guerra fria e com ela a ameaça soviética que cimentava a unidade dos europeus. A UE alargou-se a 27 países (em breve, serão ainda mais), o que, sendo em si algo positivo, dificultou naturalmente o aprofundamento da integração política.
O euro foi lançado, na esperança de que a integração monetária da maioria dos países da UE fosse complementada por avanços na integração política, o que não aconteceu. Entretanto, perdeu força o chamado “método comunitário” de decisão na UE (a Comissão propõe e o Conselho decide sobre essas propostas), reforçando-se o directório de um só país, a Alemanha.
O problema de fundo – o afastamento dos cidadãos em relação ao projecto europeu – é responsabilidade, sobretudo, dos dirigentes políticos da Europa. Em Junho de 1992 um referendo na Dinamarca rejeitou o Tratado de Maastricht, que criou a moeda única. Mais grave, em Setembro do mesmo ano esse Tratado passou por uma unha negra num referendo em França – o país que mais se empenhou na criação da moeda única, para se libertar do domínio do marco alemão.
Estes sinais de alerta foram ignorados pelos dirigentes europeus. Em 2005, dois países fundadores da integração europeia, de novo a França e agora também a Holanda, rejeitaram em referendos a impropriamente chamada “constituição europeia”. Depois, o Tratado de Lisboa, que mantinha 90% do conteúdo dessa “constituição”, foi apresentado como algo de totalmente diferente – para evitar referendos, nomeadamente no Reino Unido, onde o Tratado seria rejeitado. Ou seja, os cidadãos foram enganados pelos dirigentes europeus.
Assim, o eurocepticismo tem subido de forma alarmante. E não apenas entre os britânicos. O que coloca um problema insolúvel ao futuro do euro: muitas das medidas necessárias para garantir esse futuro implicam mais integração e, até, alterações no Tratado da UE. Ora não vejo como será possível avançar por aí com o actual nível de eurocepticismo prevalecente na maioria dos países da UE.
Seria trágico deixar morrer um projecto tão notável como a integração europeia. Por isso estou preocupado.
Algo que começa a ser cada vez mais evidente na «grande democracia unionista» é o desapego do povo europeu ao projeto europeu.
Não porque os europeus não pensem este projeto como um projeto com virtudes, mas pela captura do projeto pelos capturadores, os ditos representantes europeus.
O projeto europeu foi um projeto bonito, enquanto princípios como o da subsidiariedade e da solidariedade pareciam vingar, enquanto a importância do conselho não foi tão vincada como atualmente, e os europeus sentiam-se parte livre de um todo, com uma perceção de um futuro a várias vozes.
Quando Rompuy vem hipocritamente lembrar que os líderes europeus estão «conscientes do desespero» das pessoas, acrescentando que não há respostas fáceis (como se houvesse só e apenas uma resposta) e que é preciso conjugar consolidação e reformas estruturais com a aposta no crescimento e emprego (como se da contração económica e da destruição do emprego saísse, por obra e graça do espírito santo, um novo mundo de crescimento e emprego – nesse aspeto a eleição do novo papa Francisco, não terá a virtude de lembrar a Rompuy que só através da virtude da missionação efetiva os povos europeus sacrificados no altar da normalização pelo mais forte, serão efetivamente novamente «repegados» ao projeto europeu?);
quando Rompuy vem acrescentar isto ao debate: «Estamos totalmente conscientes do debate, das crescentes frustrações e do desespero», afirmou, acrescentando que, «tendo em conta as fracas perspetivas económicas e a crescente tensão social», os líderes europeus olharam «com muito cuidado para a situação». «Também sabemos que não há respostas fáceis. A única saída da crise é continuar a atacar as suas causas (?)», defendeu, avançando que houve «grande consenso» (?) em torno desta ideia. Por isso, a estratégia europeia (?) vai manter-se focada em quatro pontos – chave: restaurar a estabilidade financeira, lutar por finanças públicas estruturalmente sãs, combater urgentemente o desemprego, especialmente o jovem, e realizar reformas para melhorar a competitividade e o crescimento a longo prazo.
«Tudo isto é necessário, ao mesmo tempo», sublinhou,
não se coloca a questão de que a competitividade e o crescimento a longo prazo, não podem fazer esquecer o curto e médio prazo como se a economia fosse um corpo dissociado das finanças? e à consolidação fosse dada a esperança da recuperação através do crescimento?
Ainda sobre esta temática gostaria de partilhar estas reflexões que partilhei aqui: http://horasextraordinarias.blogs.sapo.pt/171800.html
Ontem a SEDES lançou o seu último projeto de responsabilização da sociedade civil e que permitiu extrair as seguintes conclusões: uma descrença muito grande por alguma elite na autorregeneração do sistema, de um sistema fechado e tomado pelos interesses dos detentores do poder efetivo (das percebidas verdadeiras elites atuais, as elites do poder: os partidos – na perspetiva da definição de Gaetano Mosca; e a divisão de opiniões entre os que pensam serem as instituições responsáveis pelo atual estado das coisas e os que pensam serem essas instituições os homens que por elas passam (e a crise da sociedade atual derivar de um quase determinismo similar aos altos e baixos de Kondratieff – estando nós hoje no inexorável ciclo baixo dos valores, que modelam as instituições).
Um dos intervenientes lembrou, e bem – já que tem tempo de lembrança suficiente para isso – que há num país aparentemente mais formado e informado verdadeiramente três responsáveis pelo atual estado de coisas: a desresponsabilização individual, a falta de valores, a ética – de serviço.
A essas três, que penso constituintes do atual estado de coisa dos atuais ditames democráticos, acrescentaria uma quarta: as elites portuguesas, sempre divorciadas das sempre estigmatizadas e enjeitadas massas do povo português.
Apetece perguntar: e o povo, pá? haverá democracia sem povo ou tudo não passará de um jogo de espelhos dos enjeitados a cada momento e da rotatividade do poder?
A Nova teoria da felicidade – título de um livro de Miguel Real – passa, assim, por nos lembrarmos de que o desejo, a necessidade e o prazer, são um combate de todos os dias e não uma lembrança para tempos piores.
E de nos lembrarmos de como os nossos interesses imediatos e egoístas, como o dos países – de que temos muita dificuldade em nos separar, mesmo quando assumem a forma exclusiva de um momento de prazer pelo reconhecimento – nos podem trazer uma felicidade imediata em detrimento da felicidade perpétua, de que a paz perpétua de Immanuel Kant – tornando-nos uma verdadeira comunidade em detrimento do mais simples estágio de sociedade – já parecia um projeto inicial coletivo.